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  • Breves reflexões sobre a identidade de Barras do Marataoã

    (*)Dílson Lages Monteiro Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Barras do Marataoã-PI. Supõe-se que, de conhecimento público, este seja um dos primeiros registros fotográficos do templo, em fins do século XIX ou início do século XX. Provavelmente, concebido em colódio ou gelatina/prata. Observa-se influência do barroco tardio ou neoclássico. O templo tem cúpulas cônicas, com janelas retangulares nas torres e na nave central, remetendo à funcionalidade e à ventilação típica da arquitetura tropical, adaptada ao calor do Piauí. Observam-se poucas construções ao redor, sem calçamento, uma Barras semirural. O enquadramento da foto focaliza duas árvores, de certo, ponto de encontro dos fiéis. (*)Dílson Lages Monteiro Cumpre-nos, inicialmente, destacar de que lugar social materializamos esta fala. O lugar é o do texto, mas especificamente, o do discurso, elaborado por meio de interditos e da relação entre léxico, sintaxe e enunciação; entendido, aqui, a partir do pensamento de Pêcheux, sob influência marxista:             “(...) toda formação social se caracteriza por certa relação entre as classes sociais e implica a existência de posições ideológicas e políticas que se organizam em formações, que mantêm entre si relações de confronto e antagonismo, de aliança ou dominação” (apud MUSSALIM: 54-55). Entendamos , conforme estabelece Pêcheux, que “Cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que são nem “individuais” nem “universais”, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras” (ibidem) . De que maneira nós, barrenses, constituímo-nos como comunidade imaginada? Valemo-nos, aqui, das explicações de STUART (2006: 50-51), ao analisar o conceito de cultura nacional: “As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. (...) Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas”. Posto isso, a partir de orientações de Stuart (2006:52) questionemos: que narrativa de cidade é contada e recontada pela história oficial, pela literatura, pela mídia, pela cultura popular? Quais estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos? Enfatizamos as nossas origens e as tradições? Sentimo-nos integrados a essas representações? Qual a importância delas à nossa vida cotidiana? Para examinarmos, pois, a construção social da identidade de Barras, motivo destas notas no ano da graça de 2025, quando a cidade festejará 184 anos, considerando que o nosso papel é o do analista de textos, buscamos compreender representações ideológicas construídas social e culturalmente pela escrita da história, do memorialismo, da genealogia,  do jornalismo e da literatura. Interessa-nos, enfatizamos, o texto, a compreensão das formações discursivas mais corriqueiramente empregadas entre os barrenses para definir uma cidade e sua gente. Avenida Beira Rio e o rio Marataoã, na zona central de Barras. Para grande número de barrenses, Barras é os rios, a igreja, a vida rural (ou os resquícios dela), enfim, suas tradições. A força desses elementos, arraigados à formação de sem número de aglomerados urbanos brasileiros, determinou ações, comportamentos e valores. A presença viva da fé e da igreja católica, que, inclusive, ganharam livro de memórias de autoria de Antenor Rêgo Filho, aparecem recorrentemente na organização do dia a dia. Muitos medem o fim do ano pela festa da Padroeira, ou o confundem com o próprio findar do ano. Ela é destaque nas paginas dos jornais. Figura, por exemplo, nas páginas de  O tempo, em 1930. Nele, lê-se: A grande festa da padroeira de Barras Prometem desusado brilhantismo os festejos com que se comemorará, este ano, o dia da excelsa virgem da Conceição. “Notícias procedentes de Barras dizem que são intensos e excepcionais os preparativos para a festa, deste ano, da milagrosa Padroeira da cidade a iniciar-se no dia 29 do corrente mês e a terminar a 8 de dezembro. Barras, em peso, na mais perfeita identidade de vistas, se empenha com raro entusiasmo, para que o dia da Virgem da Conceição se revista de indescritível esplendor. O ilustre vigário pe. Lindolpho Uchoa numa atividade admirável percorre em propaganda o interior do município, tomando extraordinário interesse no sentido de que a festa deste ano exceda com brilhantismo a dos anos anteriores. (...)” Os rios são, sem dúvidas, outro elemento que bem nos identificam. Para quem, por exemplo, viveu em Barras nas décadas de 1970 e 1980, seria quase impossível buscar a cidade da memória e não se remeter a imagens de numerosos grupos em lazer no Marataoã e no Longá, à abundância de lavadeiras em todo o percurso, à margem daquele rio, na zona central; ao fervor com que se comemoravam os festejos de Nossa Senhora da Conceição, um fervor que se fortalece na preservação repetida da tradição; à força do extrativismo vegetal em seus últimos suspiros como atividade econômica forte na economia local, assim como à criação extensiva de gado. Os rios, a igreja, a vida rural... Também, historicamente, uma cidade com espaços sociais demarcados pela injustiça social, que força a migração em busca de oportunidades de emprego, educação e bem-estar. Os rios, a igreja e a vida rural fundamentam as bases de nossa fundação como comunidade. É sabido que a David Caldas devemos os primeiros estudos registrando a história e a geografia de Barras, conforme ressalta Miguel de Sousa Borges Leal Castello Branco em seus Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocupam cargos de importância na província do Piauí , de 1878, ao reproduzir texto de Caldas, publicado em O amigo do povo, no ano de 1871: “Em meados do século passado, o coronel Miguel de Carvalho de Aguiar, natural da província da Bahia, começou a edificar aqui uma capela, a qual não foi logo acabada por ter falecido o seu fundador. Em 1759, tendo vindo a este lugar um missionário, frei Manuel da Penha ou frei Malagrida, com a sua palavra evangélica, concorreu para que Manuel da Cunha Carvalho e outros fiéis tratassem de concluir a capela supramencionada, que até então só tinha o presbitério coberto e o mais não passava de alicerces ou começo de paredes. A obra foi assim concluída em pouco tempo”. Acrescenta David Caldas: “Manuel da Cunha Carvalho legou por sua morte, Rs 150$000 para fundo de dotação da mesma capela, quantia que no tempo do padre Manuel Rodrigues Covete, foi recebida pelo administrador Manuel José da Cunha, sobrinho de Manuel da Cunha Carvalho, em 8 de dezembro de 1776 (...) Em 2 de abril de 1804, quando só haviam nesta localidade duas casas de telhas e seis de palhas, faleceu Manuel José da Cunha, legando a Nossa Senhora, orago da capela, a meia légua de terras que possuía na fazenda buritizinho (...)” Citando que, com a morte de Manuel José da Cunha a capela passa a ser administrada por Francisco Borges Leal Castello Branco, acrescenta ainda David Caldas: “A 22 de agosto de 1819, tomou conta da administração da capela José Carvalho de Almeida, o qual, em 14 de julho de 1831, lançou os fundamentos de uma nova capela, hoje matriz, ficando a antiga contida no recinto desta, a qual já ameaçava ruína e demolida em 1835” (apud CASTELLO BRANCO: 1878, págs. 37). Em seu artigo, publicado no jornal Amigo do Povo, escrevendo a cronologia da igreja católica e da própria organização da vida comunitária, anota ainda David Caldas: “A povoação das Barras foi ereta em distrito de paz, em virtude da lei provincial n.656 de setembro de 1836, e instruções da presidência da província de 9 de setembro do dito ano. Por lei n. 101 de 30 de dezembro de 1839, foi criada a freguesia e seus respectivos limites, por desmembração nas freguesias de Campo Maior e Parnaíba, marcados por portaria da presidência em data de 12 de novembro de 1840. Por lei 127 de 24 de setembro de 1841, foi elevada à categoria de vila, sendo instalada a 19 de abril de 1842, pelo major, depois coronel, Silvestre José da Cunha Castelo Branco (...), o qual deu posse à primeira câmara do novo município (...) A vila de Barras é assim chamada porque fica no centro de seis diversas barras de rios e riachos, a saber: a do Maratauã, que forma um poço de quatro quilômetros de extensão, com treze a dezessete decâmentros de largo, em frente da mesma”. (apud CASTELLO BRANCO: 1879, págs. 37-38) Nas últimas décadas, o registro de David Caldas passou por várias leituras e novas interpretações permitiram, a partir, principalmente, das contribuições da genealogia, entender com maior exatidão de que maneira ocorreram os assentamentos humanos nesta região. Graças, sobremodo, aos estudos de Edgardo Pires Ferreira, Afonso Ligório Pires de Carvalho, Gilberto Sodré Carvalho e Valdemir Miranda, esclareceu-se a movimentação intrafamiliar entre os núcleos Carvalho de Almeida e Castello Branco, principalmente, na formação do patriarcado rural piauiense.  As novas leituras permitiram que se pudesse, hoje, enxergar com exatidão como Buritizinho ou a povoação das Barras vai, entre outros fatores, por meio de laços de parentesco, constituindo-se tanto no século XVIII, quanto no século XIX. Hoje, essas descobertas ganhariam fôlego com um estudo minucioso do rol de fazendas da Antiga Barras ainda por se realizar com o rigor metodológico necessário.  A propósito das novas leituras sob o viés da genealogia a que aludimos e a título de ilustração, transcrevemos parte de artigo publicado no Portal Entretextos e reproduzido no jornal Diário do Povo. Nesse artigo, detendo-se na formação de Barras, a partir desse prisma, Gilberto de Abreu Sodré Carvalho esclarece: “Em meados do século XVIII, o coronel Miguel Carvalho de Aguiar, filho do famoso Bernardo, e assim parente do nosso José, começou a construir uma capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, nas terras da sua fazenda Buritizinho, em meio à povoação nascente chamada “das Barras”. Em 1759, sendo então terminada a capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, a fazenda Buritizinho passa a ser propriedade de Manuel da Cunha Carvalho, que se casara com sua prima residente no Piauí, de nome Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, filha de Manuel Carvalho de Almeida, referido acima, e de Clara da Cunha e Silva Castelo Branco. É provável que Manuel da Cunha Carvalho tenha sido titular da fazenda Buritizinho por conta de sua mulher e prima Isabel, a ter recebido de seu pai Manuel Carvalho de Almeida. É o que faz sentido, em vista de a região ter sido, de primeiro, ocupada por Manuel Carvalho de Almeida. Quando da morte de Manuel da Cunha Carvalho e de sua esposa Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, no mesmo ano de 1776, sem filhos, a fazenda Buritizinho e mais terras passaram ao sobrinho de Manuel, de nome Manuel José da Cunha. Para mais emaranhar a estória, esse Manuel José casou-se com uma prima, Inácia Teresa Pereira Castelo Branco, filha de Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco (filho de Manuel Carvalho de Almeida) e de Ana Rosa Pereira Teresa do Lago (filha de Antônio Carvalho de Almeida, o velho). Ou seja, Inácia era filha de pai e mãe que eram primos primeiros, e prima do nosso José, esse também neto de Antônio Carvalho de Almeida, o velho. Manuel José e Inácia não tiveram filhos. Inácia morreu em 1802 e Manuel José, em 1804. Por testamento e atos paralelos, estando doente, logo antes de sua morte, Manuel José nomeou procurador e administrador de seus bens ao seu parente Francisco Borges Leal Castelo Branco, marido e primo de Teresa Rosa do Lago Castelo Branco, irmã inteira de sua mulher Inácia. Não está claro, mais é de se entender, que a fazenda Buritizinho, que circundava a povoação de Barras, foi passada a Teresa Rosa, irmã inteira de Inácia, ficando seu marido Francisco como procurador e administrador enquanto Manuel José vivesse. Outra sucessora de Manuel José e Inácia foi, assumo, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, a qual foi a mantenedora da igreja, sob a orientação de Francisco Borges Leal Castelo Branco.   Fato é que, Francisco Borges Leal Castelo Branco e Teresa Rosa do Lago Castelo Branco têm uma filha, a quem chamam Francisca, que vai assumir, em documentos, o nome inteiro Francisca Castelo Branco. Ela se casa com o nosso José Carvalho de Almeida. Como era de se esperar, José Carvalho de Almeida, por efeito de ser casado com Francisca se torna dono da fazenda Buritizinho e responsável, autoassumido, pela vila e pela igreja de Nossa Senhora da Conceição, pelo fato de suas terras as circundarem. Pelo que se sabe, apega-se à igreja, como devoto. Isso tudo ocorre por volta de 1819.” O estabelecimento desses grupos familiares e de outros com eles relacionados encontra na atividade agropastoril, sobretudo na criação do gado, elemento determinante da atividade laboral. Diga-se de passagem que a pecuária foi atividade econômica principal do Piauí do século 18 e ainda vigoraria como um dos principais aspectos identitários no século 19. A isso se relaciona o estabelecimento de membros da Companhia de Jesus, praticando pecuária, conforme ressalta Carvalho (2007: 57) “Sem perda de tempo, a partir de 1711, logo depois de tomar posse na terra,  chegaram à Capitania padres curraleiros, e não agricultores ou botânicos. Um motivo maior, de caráter tecnológico, deve ter orientado essa decisão dos religiosos. Não se pode desconhecer o quanto foi importante e profícua a presença dos jesuítas na pecuária, até ocorrer o sequestro dos bens dos religiosos, quase 50 anos depois de terem sido doadas por  Afonso Mafrense”. Dito isso, constata-se que a origem de Barras como assentamento humano é o curral e a igreja, a que se agrega, de maneira fundamental para a permanência humana, a abundância de água em seus vários veios, infelizmente, ao longo da história, ainda não alvo de políticas públicas eficazes. A importância, por exemplo, do Marataoã está expressa, muito além da lembrança de quando ouvimos o nome da cidade, absorvida formalmente em sua própria designação, por ocasião de sua elevação de Barras à categoria de cidade em 1889, com o nome de Barras do Marataoã. Durval de Carvalho e Silva, Advogado barrense radicado em Pompeia, onde ocupou por várias legislaturas assento no Legislativo Municipal. Fonte: Parentesco. Acervo Elisabeth Mendes de Carvalho e Silva. Mais do que uma simples localização geográfica, as reminiscências do rio evocam, para quem, como nós, que vivemos  em Barras nas décadas de 1970 e 1980, a figura de grandes invernos com as margens lambendo quintais de casas com violência; grandes piranhas, vermelhas e pretas, pescadas em abundância e toda sorte de peixes hoje raros em suas águas, alguns até definitivamente desaparecidos, como preconizara em carta, datada de 1974, o advogado barrense Durval de Carvalho e Silva, domiciliado em Pompeia-SP. Dirigindo-se aos familiares, por correspondência, profetizou:  “O Francisco ainda está pescando? Deve ele ser mais comedido, pois o nosso Marataoã é pequeno”, e sem dúvida, não tem condições de “armazenar” tanto peixe” . Registre-se que o Francisco referido é o fazendeiro e liderança política Francisco Luís de Carvalho e Silva, chefe do Executivo Municipal entre 1951 e 1954. Em sua gestão, edificou-se uma das expressivas obras de infraestrutura de Barras, a Barragem do Pesqueiro, obra que favoreceu não apenas o abastecimento de água, mas também a pesca e o lazer. Rio Marataoã, na altura da Barragem do Pesqueiro. Foto: Google Imagens, sem autoria revelada. Em nossa memória, o rio, ou os rios, é, ainda, a figura quase escassa de um trabalhador, visto hoje quase exclusivamente em motocicleta em comunidades rurais, o vendedor de peixes de porta em porta. Sua presença era rotineira nos invernos: de cabo de madeira sobre o ombro, segurava firme o peso dos cambos de peixes nas duas extremidades e o inconfundível bordão cortando a atmosfera: “Olha o peixe! Olha o peixe! Mandi, piau, surubim!”. O rio Marataoã sempre se constituiu em patrimônio imaterial de destaque não apenas aos que aqui nasceram, mas também aos que passam por este chão. Recordando férias em Barras, na década de 1940, o professor da Universidade de São Paulo, piauiense Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, ressalta em seu livro de memórias sobre a Rua da Glória, em Teresina, o fascínio pelas águas calmas do rio. Relatando sua hospedagem em pensão situada na praça da Matriz, comenta: “A pensão de D. Sinhazinha , ficava nessa praça, o coração da pequena cidade, pois nela estava a igreja matriz de N. S. da Conceição, padroeira da cidade. Esta era pequena e descalça, mas muito tranquila e limpa e tinha uma graça especial, como o rio Marathaoan, que serpenteava pela planície, alargando-se mais ou menos em frente à matriz e formando uma ilha muito pitoresca, onde os habitantes organizavam pequeniques e chamavam de Ilha dos Amores”. (p.262-263) Diz ainda prof. Carlos Augusto Monteiro: “O Marataoã era, ao tempo de minhas férias, a principal atração. Todas as manhãs, entre o café e o almoço, a garotada em férias e mesmo os rapazes da cidade reuniam-se para o banho. (...) Os homens tinham o seu ‘porto’ mais a montante. Abaixo, a uma razoável distância de uma meia légua, já fora da cidade, ficava o porto das lavadeiras” (ibidem). Quem, entre os barrenses, naturais ou de afeto, não guarda no peito e no pensar uma lembrança amável desse rio?   *** Entre as imagens reconstruídas pela memória de uma cidade, imagem da qual se orgulham os barrenses, tanto crítica como alienadamente, está a de que Barras é “Terra de Governadores e Intelectuais”.  O que isso diz verdadeiramente sobre o chão em que nasceram os governadores? O que isso diz sobre a cidade que consta como uma das que mais ocuparam assentos na Academia Piauiense de Letras ao longo de mais de 100 anos de existência da entidade?  Como isso se incorporou à vida coletiva? Do ponto de vista da vida cotidiana, o epíteto, embora motivo de autoafirmação das narrativas sobre o lugar, não expressa, de fato, a valorização das tradições como capital cultural. Historicamente, raras são as práticas vinculadas à memória que utilizam essa narrativa para validar a autoestima ou comportamentos sociais propositivos úteis ao crescimento coletivo. Essa tradição de poder político e intelectual do passado é apenas narrativa de livros e da memória oral de uns poucos, dito da boca para fora ou mais vinculada à identificação da cidade para além da barragem do rio Marataoã do que nas ribeiras desse rio. Antes de lançarmos hipóteses em resposta às formulações levantadas, a fim de mantermos a unidade do raciocínio ora desenvolvido, tomamos como definição de identidade a noção de sujeito sociológico, explicada por STUART (2006: 11). Segundo esclarece, referindo-se aos interacionistas simbólicos, o sujeito é “(...) formado na relação com outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitavam”. Portanto: “(...) a identidade é formada na interação entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem” (idem). A identidade e a história de Barras, as oficiais, são representadas, contadas e decantadas, principalmente, a partir do lugar simbólico de um rio, de uma igreja, da vida rural, mas também da história e narrativas de seus filhos ausentes. É a história dos feitos deles, geralmente, em outras paragens. História de heroísmos, bravura, liderança e coragem. Essa imagem, envolta em romantismo, tem sua origem ancestral na figura medieval do desbravador português, não na história das conquistas a ferro e fogo; na figura do vaqueiro destemido, não na do homem usurpado em sua condição humana; na figura dos coronéis empreendedores, não na do jogo de forças em que o poder era exercido por quem mandava mais. O heroísmo, a bravura, a liderança e a coragem propaladas como tão naturais nossas (às vezes, genuína; às vezes, imaginada para reforçar uma identidade calcada em valores ilusórios) está no voluntariado da Guerra do Paraguai (nem tão voluntário assim...), na fundação de uma sociedade libertadora de escravos, adiante de seu tempo, referenciada por nomes como Odilon Nunes e Clóvis Moura, nas denúncias incontestes da injustiça social feitas por David Caldas, nos variados jornais em que esteve à frente, no poder exercido pela Oligarquia Pires Ferreira entre os anos de 1889 e 1930, na vitoriosa carreira política de um dos mais ilustres barrenses de todos os tempo, Leônidas Melo. Mais poderíamos refletir sobre a identidade de Barras, a real e a imaginada. Mas paramos por aqui, fazendo alusão, em digressão, com a permissão do leitor, a duas imagens construídas por dois viajantes estrangeiros que passaram por Barras. O primeiro deles, Paul Walle, em 1910, registrada em No Brasil, do Rio São Francisco ao Amazonas. Diz: Clássico de Paul Walle “Mencionemos ainda Barras, ou Barras do Maratuã, Humildes, Itamarati, cuja propriedade é relativa e o desenvolvimento, muito lento. Convém dizer que a população de toda essa parte do Piauí, como também a do Sudeste do Maranhão, é de uma apatia inconcebível. Eles não se parecem em nada com seus vizinhos cearenses. Lá se cultivam, empregando processos rudimentares, arroz, mandioca, feijão-preto, cana de açúcar, em quantidades apenas suficientes para o consumo local. A própria criação de gado, outrora praticada em grande escala, está em decadência” (WALLE: 2005: 245). Não acreditamos que o viajante se tenha despido da sua condição de estrangeiro em terras estranhas. Que tenha apeado do cavalo, olhado ao redor, abaixo do horizonte da vista. Que tenha admirado a abundância de vazantes e o que nelas se cultiva. Que tenha estabelecido algum contato pautado nas relações de igualdade e compreensão dos fazeres e práticas tão exclusivamente nossas. Que tenha conversado com a gente local de verdade. O segundo, o alemão LUDWING SCHWENNAGEM, que, conforme anota Moacir Lopes: Fenícios no Brasil (Antiga História do Brasil: de 1100 A.C a 1600 D.C.) “Já andava em 1910 percorrendo o Brasil e estudando as condições sociais do povo brasileiro” (SCHWENNAGEM:1970,13). Sobre ele, Moacir anotou em prefácio a Fenícios no Brasil ( Antiga História do Brasil – de 1110 A.C a 1500 D.C): “Em Teresina existe uma memória no povo de que por aqui passou esse alemão calmo e grandalhão que ensinava História e bebia cachaça nas horas de folga, andava estudando umas ruínas pelo Estado do Piauí e outros do Nordeste, e que chegou a Teresina no primeiro quartel deste século, não se sabe de onde, e morreu sem deixar rastro, não se sabe de quê, e andava rabiscando uns manuscritos sobre a origem da raça Tupi, lendo tudo o que era pedra espalhada por aí. Seu nome é tão complicado que muitos o chamam Chovenágua” (Ibidem) Registra SCHWENNAGEM (140-142):           “(...) As serras do município de Barras que flanqueiam o curso do rio Longá contém quartzo branco e quartzo preto em grandes blocos, o sinal de que naqueles morros existem filões auríferos. Além disso, existem ali nos rochedos dúzias de letreiros e sinais de mineiros, pintados com tinta encarnada. Os moradores da região confirmam que nos leitos dos riachos que vem das serras, acham-se muitas vezes, no fim do inverno, pequenas pepitas de ouro. Um velho ourives da cidade de Barras declarou ao autor que conhecia muitos Iugares onde se podia procurar ouro fino. (...) A respeito das minas auríferas de Barras, deve-se ainda constatar que ali não existem grutas com corredores indicando que os antigos mineiros já tiravam os filões do interior das serras. Eles tiravam o ouro só dos cascalhos e deixavam intactos os filões. Aí está uma perspectiva promissora para o futuro”. Onde estaria o ouro de Barras? Dílson Lages Monteiro, ficcionista, poeta e pesquisador, é membro da Academia Piauiense de Letras e curador do Museu Virtual de Barras do Marataoã.   Referências BRANCO, Miguel de Souza Borges Leal Castelo.  Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocupam cargos de importância na província do Piauí . Teresina, PI: [s.n.], 1878. CARVALHO, Afonso Ligório Pires. Terra do Gado: O Piauí Foi Colonizado na Pata do Boi.  Brasília: Thesaurus, 2007. CARVALHO, Gilberto de Abreu Sodré. As origens de Barras do Marataoã , acesso em portalentretextos.com.br , publicado em 20.07.2015. MELLO, Leônidas de Castro. Trechos do Meu Caminho . Teresina: Comepi, 1982. JORNAL O TEMPO. A grande festa da padroeira de Barras .1930. MELLO, Leônidas de Castro. Trechos do Meu Caminho . Teresina: Comepi, 1982 MONTEIRO, Carlos Augusto. Rua da Glória . Volume 4. Teresina: EDUFPI, 2015. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.).  Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos . São Paulo: Cortez, 2004. SCHWENNAGEM, Ludwing. Antiga História do Brasil – de 1110 A.C a 1500 D.C: Tratado Histórico . 2ª. edição. Rio de Janeiro: Cátedra, 1970. STUART, Hall. A identidade cultural na pós-modernidade .  tradução Tomaz Tadeu da Silva,. Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 SILVA, Durval de Carvalho e. Correspondência ao irmão Francisco Luís de Carvalho e Silva. S/D. WALLE, Paul. No Brasil, do Rio São Francisco ao Amazonas. Tradução: Oswaldo Biato. Brasília: Senado Federal, 2006.

  • Zuca Lopes, o pioneirismo do barrense que transformou a história do transporte no Norte do Piauí.

    Ele começou a vida como maquinista de vapores no rio Parnaíba. No final da década de 1927, começaria a atuar como motorista de táxi e, em 1929, iniciaria uma vitoriosa trajetória nos transportes rodoviários no Piauí, ação que teria continuidade com os dois filhos, gerando a Empresa Zuca Lopes, um marco no transporte de passageiros e mercadorias no Norte piauiense. Conheça a história de Zuca Lopes, em reportagem da Gazeta do Comércio, ano VI, número 154, Orgão da Associação Comercial Piauiense, outubro de 1996. Clique na imagem para ampliar o texto.

  • José Carvalho de Almeida e a formação histórica de Barras do Marataoã

    1a. Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. Segundo relato de historiadores que foram testemunhas oculares da história do século XIX, construída por José Carvalho de Almeida . Entre os que registraram que o templo nasceu da fé e do empenho do coronel José Carvalho de Almeida, está David Caldas, primeiro historiador de Barras do Marataoã. Os mais antigos registros de imagens do templo são do final do século XIX. No traçado arquitetônico, as duas torres, três portas frontais e o tom sóbrio que caracterizam as construções religiosas do século XIX. Nas primeiras décadas do século XX, segundo relatos da memória oral, sob liderança religiosa de Monsenhor Bozon, criou-se as condições para uma grande reforma no templo, ampliando-o ao fundo: construiu-se o altar-mor que vigorou até a absurda demolição da igreja em 1963-64. Foto de autoria desconhecida. Vê-se que a imagem é anterior à pavimentação da praça da Matriz. Por Gilberto de Abreu Sodré Carvalho   José Carvalho de Almeida nasceu, em 1770, no então vastíssimo município do Campo Maior do Surubim, chão que seria tempos depois do município de Barras do Marataoã. Barras era um povoado. José morreu em 16 de julho de 1869, com noventa e nove anos. O pai de José chamava-se Antônio Carvalho de Almeida; sua mãe, Ana Maria da Conceição Rodrigues de Carvalho. Teve um irmão inteiro, Francisco Carvalho de Almeida. Antônio, pai de José, era filho de Antônio Carvalho de Almeida, o velho, e de Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco. Antônio, esse último, foi dos grandes proprietários e homens de poder, no final do século XVII e início do XVIII, na região que passaria a ser a capitania do Piauí, em especial na bacia do rio Longá. A importância dos Carvalho de Almeida, no começo do século XVIII, foi maior que a de qualquer outro grupo familiar. Ocorreu de, à direita do rio Parnaíba, cinco irmãos ambiciosos, sobrinhos do famoso Bernardo Carvalho de Aguiar, se terem ajudado intensamente, sob a orientação, suponho, do referido tio Bernardo. Eles foram, como militares: Manuel Carvalho de Almeida, lugar-tenente de Bernardo, capitão da Conquista da terra dos indígenas e grande proprietário; e Antônio Carvalho de Almeida, o velho, avô de José, acima já referido, capitão-mor e também senhor de terras e currais em abundância. A esses dois irmãos militares do rei, somavam-se três sacerdotes católicos, todos, em simultâneo, vigários, ou seja, condutores espirituais e temporais de vastas circunscrições de terras e de gente. Eram eles, o festejado padre Miguel de Carvalho, cronista primeiro do Piauí; o padre Tomé de Carvalho e Silva e o padre Inocêncio Carvalho de Almeida. Os cinco eram filhos de Belchior Gomes da Cunha e de Isabel Rodrigues. O apelido Carvalho parece lhes ter vindo do tio Bernardo, ao menos é o que me faz sentido, até onde pude pesquisar e fazer hipótese. O apelido Cunha (de Belchior Gomes) parece ligar-se aos Castelo Branco, desde Portugal. Assim, os casamentos dos Carvalho de Almeida (Manuel e Antônio) com moças de apelido Castelo Branco resultam de afinidade por parentesco já existente em Portugal. José é meu quarto-avô em linha masculina contínua. Tinha sobrenome duplo, Carvalho e Almeida. O primeiro é a referência mais forte. Almeida reportava-se a cidade desse nome, em Portugal, tratando-se de uma indicação de origem, mas não de um apelido familiar. O mesmo se aplica a Bernardo Carvalho de Aguiar, em que de Aguiar é referência a uma vila de origem, no Norte de Portugal. José, aos 23 anos, alistou-se na Infantaria de Milícias. Era ainda o tempo da colônia, ano de 1793. Esteve em ação de campo por várias vezes, na consolidação da dominação colonial portuguesa. Em 1815, foi feito oficial e, em 1824, capitão. Por muitos anos, foi coronel da Guarda Nacional, no tempo do Império do Brasil. Foi ainda deputado provincial e presidente da Câmara Municipal de Campo Maior. Como homem de posses do seu tempo, foi, é o que parece, protetor dos costumes e da submissão à Igreja e a seus preceitos. Era primo do notável Leonardo da Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, uma vez que os dois foram netos, pelo lado masculino, de Antônio Carvalho de Almeida, o velho. Cabe cuidar da formação histórica do município de Barras do Marataoã. Importa fazê-lo para mostrar como José Carvalho de Almeida tem a ver com o assunto. Em meados do século XVIII, o coronel Miguel Carvalho de Aguiar, filho de famoso Bernardo, e assim parente do nosso José, começou a construir uma capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, nas terras da sua fazenda Buritizinho, em meio à povoação nascente chamada “das Barras”. Em 1759, sendo então terminada a capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, a fazenda Buritizinho passa a ser propriedade de Manuel da Cunha Carvalho, que se casara com sua prima residente no Piauí, de nome Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, filha de Manuel Carvalho de Almeida, referido acima, e de Clara da Cunha e Silva Castelo Branco. É provável que Manuel da Cunha Carvalho tenha sido titular da fazenda Buritizinho por conta de sua mulher e prima Isabel, a ter recebido de seu pai Manuel Carvalho de Almeida. É o que faz sentido, em vista de a região ter sido, de primeiro, ocupada por Manuel Carvalho de Almeida. Quando da morte de Manuel da Cunha Carvalho e de sua esposa Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, no mesmo ano de 1776, sem filhos, a fazenda Buritizinho e mais terras passaram ao sobrinho de Manuel, de nome Manuel José da Cunha. Para mais emaranhar a estória, esse Manuel José casou-se com uma prima, Inácia Teresa Pereira Castelo Branco, filha de Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco (filho de Manuel Carvalho de Almeida) e de Ana Rosa Pereira Teresa do Lago (filha de Antônio Carvalho de Almeida, o velho). Ou seja, Inácia era filha de pai e mãe que eram primos primeiros, e prima do nosso José, esse também neto de Antônio Carvalho de Almeida, o velho. Manuel José e Inácia não tiveram filhos. Inácia morreu em 1802 e Manuel José, em 1804. Por testamento e atos paralelos, estando doente, logo antes de sua morte, Manuel José nomeou procurador e administrador de seus bens ao seu parente Francisco Borges Leal Castelo Branco, marido e primo de Teresa Rosa do Lago Castelo Branco, irmã inteira de sua mulher Inácia. Não está claro, mais é de se entender, que a fazenda Buritizinho, que circundava a povoação de Barras, foi passada a Teresa Rosa, irmã inteira de Inácia, ficando seu marido Francisco como procurador e administrador enquanto Manuel José vivesse. Outra sucessora de Manuel José e Inácia foi, assumo, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, a qual foi a mantenedora da igreja, sob a orientação de Francisco Borges Leal Castelo Branco.     Fato é que, Francisco Borges Leal Castelo Branco e Teresa Rosa do Lago Castelo Branco têm uma filha, a quem chamam Francisca, que vai assumir, em documentos, o nome inteiro Francisca Castelo Branco. Ela se casa com o nosso José Carvalho de Almeida. Como era de se esperar, José Carvalho de Almeida, por efeito de ser casado com Francisca se torna dono da fazenda Buritizinho e responsável, autoassumido, pela vila e pela igreja de Nossa Senhora da Conceição, pelo fato de suas terras as circundarem. Pelo que se sabe, apega-se à igreja, como devoto. Isso tudo ocorre por volta de 1819.  Em 1831, José inicia a construção de uma nova igreja para ser a matriz de Barras, em lugar da igreja de Nossa Senhora da Conceição. O novo templo é chamado do Santíssimo Sacramento. José morre em 1869. Embora tivesse deixado instruções para ser sepultado no interior da igreja do Santíssimo Sacramento, a qual construiu, uma nova legislação proíbe que igrejas servissem como cemitérios. Assim, o corpo de José Carvalho de Almeida é enterrado no cemitério municipal até que, por interpretação feita de que José já tinha direitos adquiridos antes da nova lei, os seus restos são levados para a igreja do Santíssimo Sacramento e postos sob uma lápide com as inscrições devidas. A velha igreja do Santíssimo Sacramento é demolida, noventa e quatro anos depois da morte de José. É substituída por uma nova construção consagrada. Quando da demolição, no entanto, os restos de José e a lápide não foram devidamente recolhidos. Perderam-se, de algum modo e para sempre.   Em 1941, por ocasião do centenário do município de Barras do Marataoã, a Câmara Municipal proclamou José Carvalho de Almeida “Patrono da Cidade”.    Gilberto de Abreu Sodré Carvalho é historiador, romancista, autor de livros no campo da gestão e advogado. Nascido no Rio de Janeiro e apaixonado pelo Piauí, terra de parte de suas raízes familiares.

  • A. Tito Filho, os 100 anos do barrense que revolucionou a cultura do Piauí.

    José de Arimathéa Tito Filho Ele ficou conhecido como o mais longevo presidente da Academia Piauiense de Letras, instituição que dirigiu sem interrupções por 21 anos. Professor de Português de muitas gerações, também o magistério o celebrizou, assim como a devoção à crônica sobre Teresina e sobre questões culturais e históricas de seu Estado Natal. Em 27 de outubro de 2024, ele completaria 100 anos, se vivo fosse. As ideias e o legado, porém, ainda ressoam na sociedade piauiense, e seu nome é festejado pelo muito que sua ação representou, transformando instituições, pessoas e o tempo em que viveu, para além dele. Por isso, José de Arimathéa Tito Filho recebeu, ao longo de 2024, muitas homenagens. Entre as ações que o homenagearam, uma ação conjunta da Secretaria Estadual de Cultura, Conselho Estadual de Cultura do Piauí e Academia Piauiense de Letras. Essas entidades criaram e desenvolveram o 1º Concurso Literário A. Tito Filho: poemas, contos e crônicas. A iniciativa voltou-se para as escolas públicas da rede estadual do Piauí, com grande adesão e repercussão social. O resultado desse projeto foi o lançamento de um documentário sob orientação de Nelson Nery Costa e da coletânea que publicou os textos premiados no certame. Saiba mais sobre A. Tito Filho em entrevista com o historiador Jordan Bruno. Assista ao perfil de A. Tito Filho, pelo historiador e ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, dr. Reginaldo Miranda da Silva. Veja como foi o lançamento da coletânea com os textos vencedores do Concurso Literário A. Tito Filho 2024. (Escrito e postado pela curadoria do Museu Virtual de Barras do Marataoã)

  • O PESQUEIRO – Um ponto turístico na vida de Barras – PI

    (*)Francisco de Assis Alves de Oliveira Vista panorâmica da barragem do Pesqueiro Google Imagens 2018 A cidade de Barras foi abençoada pela sua privilegiada localização. Nasceu ao redor de rios, riachos e tantas outras belezas naturais. Às margens do principal rio da cidade, o Marataoan, surgiu o Pesqueiro, que foi primitivamente lugar de morada de ribeirinhos nativos. A função do historiador é fazer lembrar aquilo que a sociedade quer esquecer, disse o historiador Peter Burke. Portanto, não podemos esquecer que o Pesqueiro funcionou como um dos principais atrativos turísticos de Barras, gozando de bom conceito da sociedade barrense até os anos de 2009. Devido a ausência de documentos escritos, vamos recorrer à memória dos moradores da cidade para escrever um breve histórico desse memorável ponto turístico. Apoiamo-nos nos conceitos e teorias de Thompson, para quem a memória de uma pessoa pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos. O Pesqueiro fez parte de momento importante do turismo na cidade de Barras, quando as belezas naturais do Rio Marataoan eram uma ótima alternativa para a prática de lazer em local de pesca valorizado pelos ribeirinhos; local que se tornou, por muitos anos, o atrativo turístico mais conhecido da cidade. O Balneário natural Pesqueiro ficava Localizado na saída de Barras sentido Teresina, às margens direita do Rio Marataoan, vizinho ao Bairro São Cristóvão. A barragem do Pesqueiro não era apenas um lugar de visitação turística, mas também de atividade econômica. Existia no lugar uma churrascaria que, por muito tempo, funcionou como um dos espaços mais requintados de Barras, frequentado majoritariamente pela alta sociedade barrense, ou seja, pessoas de gosto aprimorado e com boa condição financeira, dispostas a pagar expressiva quantia em dinheiro para apreciar a gastronomia servida na casa. O pesqueiro, concentração de pessoas debaixo das árvores Foto de domínio público, colhida do Google Imagens A denominação Pesqueiro está vinculada à existência no local de um ponto de pesca artesanal. O espaço, que tempos depois se transformou em um movimentado ponto turístico da cidade, era apenas um ponto onde se reuniam pessoas para pescar. Ressalte-se que o Rio Marataoan se constitui no mais importante recurso hídrico que abastece toda a sociedade de Barras. Suas águas abrigam uma vasta variedade de peixes, propiciando meios de subsistência aos moradores mais carentes de recursos, que utilizam a pesca para fazer uma renda extra e suprir as necessidades alimentares. Em 1950, a gestão pública municipal. sob o comando de Francisco Luiz de Carvalho e Silva, mandou construir um grande paredão de concreto na área que compreende especificamente a barragem. Essa obra de infraestrutura significou ação de grande alcance social até hoje, porque permitiu represar e armazenar a água no caminho percorre por ele no perímetro urbano, formando dessa forma a barragem do pesqueiro com aproximadamente 68 metros de comprimento, A construção dessa obra favoreceu oportunidade de negócios. Foi determinante para despertar o espirito empreendedor em algumas pessoas que passaram a desenvolver atividade econômica no lugar, oferendo espaço de lazer para população do município e cidades vizinhas. A área é também chamada de barragem da ponte. Barragem do pesqueiro - Rio Marataoan Foto: arquivo particular do autor, 2023 O Rio Marataoan é parte integrante da belíssima paisagem natural da cidade de Barras e faz parte do conjunto de elementos constitutivos do Polo das águas, roteiro turístico do Piauí. Balneário, o pesqueiro foi um dos mais visitados e disputados pontos turísticos da cidade. No período do carnaval, milhares de foliões buscavam o local para se divertir e saborear a culinária barrense. As pessoas se deslocavam até o pesqueiro para mergulhar e se refrescar do calor nas águas frias e cristalinas do Rio Marataoan. Os mais aventureiros, de cima da ponte, promoviam um verdadeiro espetáculo, dando salto mortal nas águas da barragem do pesqueiro. O Pesqueiro teve uma grande rotatividade de proprietários. Passou por diversas administrações, entre elas, a do senhor Vicente Dias de Barros, o Vicente da Cooperativa, que foi o último proprietário em seu momento áureo entre 2002 a 2009. Conta o senhor Vicente que foi o período dos melhores carnavais de Barras no Pesqueiro. Antes, porém, foi administrado durante 8 anos por um senhor de nome Heraldo Paraibano. Além deles, outros mais tocaram negócios no Pesqueiro, a conferir: Ademar Canabrava, Associação do Bairro São Cristóvão e Francisco Izídio de Sousa (Chico Hermínio), que tinha sociedade com o senhor Saturnino Borges de Melo. O período de permanência dos dois últimos foi de apenas 5 anos, 1982 a 1986, ocasião em que realizaram uma reforma e ampliação, visto que o Pesqueiro, nessa época, tratava-se de uma pequena palhoça. Anterior a tudo isso, teve o seu momento mais importante: a criação do Pesqueiro como ponto turístico, por volta de 1976. Originalmente, pertenceu ao senhor Sebastião Araújo Silva, o Sebastião Sesóstis, de quem podemos dizer foi um visionário. Alguém que imaginou o futuro de forma a fazer planos para alcançar seus objetivos. Conta o senhor Sebastião Sesóstis que visitou o local e ficou observando o movimento de pescadores e banhistas; sentou na cabeceira da ponte e passou a conversar com ele mesmo dizendo: “Aqui parece ser um lugar que dá para ganhar um bom dinheiro”. Ele não perdeu tempo, logo construiu uma palhoça, ou seja, uma habitação rústica coberta de palha de coco babaçu e juntamente com sua esposa, a senhora Maria Nilsa de Araújo Rego Silva, passou a vender bebidas e comidas nas margens do Rio Marataoan. Sebastião Sesóstis, o homem que teve a excelente ideia de transformar um ponto de pesca em um local de negócio e lazer Foto: arquivo particular do senhor Sebastião Sesóstis . Cabe nesse momento fazer um registro importante, o senhor Sebastião Sesóstis conta ainda que enfrentou desafios e dificuldades para iniciar o negócio, devido a conflitos com uma família ribeirinha nativa do local, mais precisamente uma senhora conhecida pelo apelido de Zeferina, que dizia não aceitar a existência de um bar na frente de sua residência. A barraca de palha foi construída no exato local onde existiu primitivamente a residência de uma família, que se mudou do local devido a uma grande enchente que fez o rio Marataoan transbordar e alagou a casa da ribeirinha. Na frente da churrascaria, tinha uma cerca de talo de palmeira de babaçu. No período de administração do proprietário Vicente, o espaço recebeu melhorias para melhor acolher o turista. O acesso ao local era dificultado devido a um barranco que causava desconforto no subir e descer. Logo na entrada, ao descer da estrada para entrar no pesqueiro, os visitantes se deparavam com essa ribanceira, ou seja, terreno com grande declive, que posteriormente foi eliminado com o nivelamento da margem mais elevada do terreno, facilitando o acesso. Roda de amigos na churrascaria do Pesqueiro Foto: Arquivo particular do senhor Sebastião Sesóstis A churrascaria era um atrativo a mais para os banhistas que se dirigiam à barragem do pesqueiro, que promovia shows ao vivo com atrações musicais da cidade, quais sejam: banda chapéu de couro, banda RPS com o cantor João do Preto, entre outras. Um dos frequentadores conta que um dos últimos proprietários do estabelecimento desenvolvia algumas estratégias para cativar os clientes, por exemplo, já servia a bebida acompanhada de uma porção de caldo de peixe surubim como cortesia da casa. As pessoas compareciam para tomar banho, mas também para apreciar as delícias da churrascaria. A Maçonaria realizou algumas de suas festas de confraternização no pesqueiro. Também, as festas de confraternização da prefeitura, na época em que foi Prefeito o senhor Raimundo Triunfo. Conta o senhor Francisco Izídio de Sousa (Chico Hermínio), que o Governador Hugo Napoleão e sua comitiva, nas visitas que faziam ao município de Barras, tiveram almoço servido no pesqueiro. Nessa comitiva, estavam, entre outros, o deputado Humberto Reis da Silveira. Conta, ainda, Francisco Izídio que, na sua época, os bares da cidade de Barras tinham dificuldade em vender a cerveja Antártica, por conta da predileção quase que exclusiva dos apreciadores pela cerveja Brahma. De acordo com as palavras do Senhor Francisco, o ponto turístico em estudo se destacou como um dos primeiros a vender a cerveja Antártica na cidade. Pesqueiro- detalhe da fachada principal da churrascaria em ruínas Foto: arquivo particular do autor, 2023 A ponte que fica sobre o Rio Marataoan ligando o centro da cidade ao bairro São Cristóvão constitui o conjunto paisagístico do Pesqueiro; cuja construção no modelo atual se deu entre os anos de 1961 a 1965, sob o governo de Francisco das Chagas Caldas Rodrigues. A estrutura mede 96 metros de comprimento. Ela veio em substituição à antiga ponte, que era de madeira. Ponte de madeira sob Marataoã Registro colhido da web sem autoria declarada. Fachada principal da ponte, que faz parte do conjunto paisagístico do Pesqueiro Foto: arquivo particular do autor, 2023. O desinteresse dos empreendedores locais, a resistência ao banho de rio e o aparecimento das piscinas nos quintais das residências foram determinantes para o desapreço ao pesqueiro, que deixou de ser um dos lugares mais glamourosos da cidade Barras. Hoje obscurece a estética da cidade. O pesqueiro foi um ponto turístico que merece ser lembrado e registrado na história de Barras. Podemos chegar à conclusão de que são três os elementos que constituem o conjunto paisagístico do pesqueiro como ponto turístico, quais sejam: A ponte, a barragem e a churrascaria. Os pescadores ribeirinhos, nativos do local, foram a inspiração para o nome. A construção da barragem atraiu os banhistas para o lugar. A churrascaria passou a atender as necessidades dos turistas em relação à comida e às bebidas. (*)Francisco de Assis Alves de Oliveira é pesquisador. Graduado em História e Especialista em História do Brasil Referência: ARAÚJO, Maria José de Oliveira Calaça. Depoimento oral, 2023. ARAGÃO, Marília Carvalho. Planejamento Turístico e Desenvolvimento no município de Barras-PI, 2011. BARROS, Vicente Dias de. Depoimento oral, 2023 BURKE, Peter. A Escrita da História e novas Perspectivas. São Paulo: Unesp,1992. SILVA, Francisco das Chagas Cardoso. Depoimento oral, 2023 SILVA, Maria Nilsa de Araújo Rego. Depoimento oral, 2023 SILVA, Nelson Alves da. Depoimento oral, 2023 SOUSA, Tânia Maria de. Depoimento oral, 2023 SOUSA. Francisco Izidio de. Depoimento oral, 2023 SILVA, Sebastião Araújo. Depoimento oral, 2023 NASCIMENTO, Cleudiane Rodrigues. Impacto Geoambiental do Rio Marataoan: Barragem do pesqueiro – Município de Barras-PI, 2012. THOMPSON, Paul. A voz do passado. São Paulo: Paz e Terra, 1992 Assista à leitura coletiva do artigo realizada pelo autor para Tributo à Cidade Natal, organizado pelo Museu Virtual de Barras do Marataoã.

  • A Finada Alda em Prosa e Verso

    Capa da obra Finada Alda, de autoria de Francisco Acoram. "A jovem Alda levantou-se muito cedo no dia nove de julho de 1961. O pai e a mãe, também. Alguns instantes depois, todos os moradores da casa estavam de pé. As lamparinas foram acesas. Um murmurinho na casa não demorou. As vozes dos pais e de seus irmãos confundiam-se no recinto. A barra do sol começava a alumiar no horizonte distante. Assim como as demais noites do mês de julho, a madrugada estava friorenta, em contradição com os dias de temperaturas elevadas do período, clima característico dos munícipios da região Norte do Piauí. Toda a família estava feliz. A alegria era geral. O domingo prometia ser esplêndido. A moça dirigiu-se para um rústico banheiro localizado nos fundos do quintal da casa da família, próximo ao poço d’água. O líquido que acabara de retirar do poço mantinha-se ainda um pouco morno apesar do frio da noite. Caprichou no asseio pessoal com esmero, 13 ensaboando-se com um perfumado sabonete presenteado pelo seu amado noivo no dia de seu aniversário de dezenove anos de idade, que acontecera quatro dias antes. Nesse dia não houve comemoração. A festa, na verdade, seria no próximo domingo; o dia mais esperado de sua vida: seu matrimônio" Continue a ler a história de Finada Alda, recontada em Prosa por Francisco Acoram (pág. 12) Este fato aconteceu Lá na Cidade de Barras, No Estado do Piauí, Com informações bizarras, Ocupa lugar na história Com bem atraentes garras. Rebentou em seis de julho, No progressista Sobral, No Estado do Ceará Uma urbe industrial; Do ano de quarenta e dois Finada Alda, divinal. Pais, Manoel e Maria, Dois modestos lavradores, Mudaram pro Piauí Pra aliviar as dores, Com Alda ainda criança, Com elevados temores Continue a ler a história de Finada Alda, recontada em Poema por Francisco Almeida ( p.21) (Postado pela curadoria do Museu virtual de Barras do Marataoã, D. L.M)

  • Os Três Silvestres

    [A Tito Filho] José de Arimathéa Tito Filho Não conheci o meu avô paterno. Quando vim ao mundo, ele já se havia despedido desta vida para outra que suponho pior. Chamava-se SILVESTRE TITO CASTELO BRANCO. Foi vereador em Barras do Marataoã, uma vilazinha pacata do norte piauiense. Pobre, mas respeitado. Família de muitos filhos, mulheres e dois varões. Estes se educaram com a ajuda de amigos. Quando morreu, meu pai lhe herdou as dívidas e as saldou, um por uma. No livro de memórias ÚLTIMAS PÁGINAS, Cristino Castelo Branco escreveu este trecho: "Lembro-me agora em março do desembargador José de Arimathéa Tito, meu antigo companheiro do Tribunal de Justiça do Piauí, cinco anos mais velhos do que eu, pois nascera a 18 de março de 1887. Pertencia à família Castelo Branco, filho que era de Silvestre Tito Castelo Branco, mas o pai, brigado com os parentes, tirou dos filhos o nome de família". De feito, meu avô não quis que nenhum dos filhos se assinasse CASTELO BRANCO, homens e mulheres. O primeiro varão chamou-se SILVESTRE, por extenso SILVESTRE TITO FILHO. Deveria ser SILVESTRE TITO CASTELO BRANCO FILHO, mas o pai, teimoso que nem mula, lhe decepou o nome familiar famoso. Na família foi o segundo SILVETRE. Bem alvo, olhos azuis, andou pela capital no Pará feito funcionário público. Adquiriu banhas. Um tanto buchudo. Gostava dos livros, sobretudo os de direito. Danou-se de saudades e regressou à casa paterna, em Barras. Tornou-se advogado, embora sem diploma de faculdade. Escrevia bem. Apreciava uma boa pinga, como de modo geral sempre a apreciaram os barrenses de todas as categorias. Silvestre Tito Filho nunca se casou. Era meu padrinho, boníssimo padrinho, que sempre me presenteava uns tostões para os rebuçados e os bolinhos que as doceiras de Barras faziam com requintes da difícil arte culinária. Nunca me esqueci do episódio. Noitinha do dia 6 de fevereiro de 1933 eu me despedi do meu querido padrinho e tio, e ele me deu uma moedinha de bom metal, de mil réis, que na época se denominava CENTENÁRIO, cunhada em homenagem aos primeiros cem anos da independência nacional. Trazia de um lado as efígies de Pedro I e Epitácio Pessoa, o presidente das festas comemorativas. Dia 7 de fevereiro, madrugada, viajei no caminhão do Crueira, motorista mito conhecido e estimado dos barrenses. Nove da noite, cheguei a Teresina, no Colégio diocesano, como aluno interno, e o padre Joaquim nonato, bom amigo, diretor do educandário, me transmitia a notícia triste que tio Silvestre havia falecido de modo repentino. Faz poucos dias faleceu em Teresina um terceiro SILVESTRE, nome todo SILVESTRE TITO NETO. Deveria ser Silvestre Tito Castelo Branco Neto. Morreu-lhe a mãe muito cedo, irmã de meu pai, e o pai viúvo logo se casou de novo e deixou com duas tias solteironas os dois filhos havidos do primeiro casamento. Largou a segunda esposa, e tornou-se comissário do Lóide Brasileiro, em cujos navios transitava pelos mares do planeta. Faleceu no começo da década de 50. Silvestre Tito Filho criou-se sempre pobre, sustentado pelas tias, que lhe davam afeto e carinho. Não teve recursos para estudar. Garoto ainda prestou concurso de carteiro e empregou-se nos Correios de Teresina, fez carreira e aposentou-se. Sempre de exemplar honestidade. Dedicado chefe de família. De inatacável fidelidade à palavra empenhada. Meu companheiro de férias, ao velho Marruás, aonde fomos com os outros primos, no final de cada ano, para os festejos religiosos promovidos pela humilde igrejinha da vila, depois cidade. Ma(i)s um bom Castelo Branco dos bons que se foi. A. Tito Filho, 05-06/05/1991, Jornal O Dia Crônica catalogada pelo prof. Jordan Bruno e reproduzido em Acervo A. Tito Filho. Saiba mais sobre as origens do professor e escritor A. Tito Filho na plataforma de genealogia Parentesco , um projeto de vida do Dr. Edgardo Pires Ferreira.

  • Celso Pinheiro em três dimensões

    (*) Elmar Carvalho   Celso Pinheiro em 1917, quando da fundação da Academia Piauiense de Letras I . Panorama teresinense e o poeta Em 1902, aos 15 anos de idade, Celso Pinheiro já morava em Teresina, vindo de Barras, sua terra natal, para continuar seus estudos. Contudo, sequer veio a concluir o curso ginasial. A capital piauiense era uma pequena cidade, ainda muito acanhada, situação que perduraria até a morte do poeta, em 1950. A pequena urbe se estendia do entorno do Cemitério São José até os arredores da Igreja de Nossa Senhora das Dores, no sentido Norte para Sul; no sentido Oeste para Leste ia da margem direita do rio Parnaíba até a margem esquerda do Poti. O teatro, que fora uma das principais atividades culturais e de entretenimento, desde a fundação da cidade até o final do século XIX, já começava a perder espaço para o cinema, que se tornou uma das principais diversões teresinenses. É de se supor que o bardo tenha assistido a algumas representações teatrais e sessões cinematográficas, que até o final de sua vida foi se aperfeiçoando na tecnologia e na utilização de efeitos especiais nas filmagens. Outras sociabilidades da capital eram os saraus, literários e/ou musicais, realizados em estabelecimentos públicos ou particulares, inclusive na casa de Clodoaldo Freitas (e suas rodas de conversa). Também não devem ser esquecidos os festejos de santos católicos, com suas quermesses e leilões, na parte profana; tampouco devem ser esquecidas as apresentações circenses, que costumavam ter no seu final uma peça de dramaturgia. Sem dúvida tomou conhecimento das polêmicas anticlericalistas dos maçons, que recebiam o revide das principais lideranças do catolicismo. Chamado de o milionário do verso pela profusão de poemas que produziu, sobretudo sonetos, com certeza os publicou nos poucos jornais da cidade, quase sempre pertencentes a partidos políticos. Nesses periódicos a política tomava sua feição mais feroz, em que os inimigos e desafetos não tinham boas qualidades morais nas catilinárias desabridas, e em que os amigos e apaniguados não tinham defeitos nas matérias laudatórias ou apologéticas.   Houve também a moda das conferências. Alguns conferencistas vinham de outros estados, mas também as proferiam intelectuais do Piauí. Nogueira Tapety, poeta oeirense, pronunciou uma bela palestra sobre a luz, que tive a oportunidade de ler. Acredito que Celso deva ter comparecido a algumas, e certamente foi o responsável por uma ou outra dessas conferências. Em 30 de dezembro de 1917 foi fundada a Academia Piauiense de Letras. Celso, aos 30 anos, foi um de seus fundadores. Foi o primeiro ocupante da cadeira nº 10, de que tenho a honra de ser o atual titular. E é o patrono da cadeira nº 5 da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL, da qual hoje tenho a posse. Muitos desses fundadores e primeiros acadêmicos eram intelectuais egressos da Faculdade de Direito do Recife, herdeiros do positivismo e das lições do professor, erudito e poeta Tobias Barreto. O nosso bardo não teve formação superior, numa época em que poucas pessoas conseguiam se formar, a maioria em Direito, Medicina, Engenharia, Odontologia ou Farmácia. Na segunda década do século XX, aproximadamente, vários poetas piauienses louvaram em magoados versos elegíacos lindas e belas moças, que morreram precocemente, entre as quais Mocinha Araújo, Santa Martins e Iaiá Pearce. A última era filha do inglês Thomas Pearce e noiva do aluno do curso de Direito e poeta Pedro Borges da Silva, que depois se tornou vice-governador do Piauí, membro da APL, juiz federal e ministro do Tribunal de Segurança Nacional. Antônio Chaves, que a pranteou em lindos e melodiosos versos, impregnados de saudade e paixão, no eu lírico de soneto elegíaco que leva o seu nome, chegou a considerá-la noiva: “Eras a minha fé soberba, indefinida, / Eras a minha crença, ó lírio imaculado, / Tu, que trazias n’ alma inocente e querida / A ária do nosso amor e do nosso noivado.” Celso Pinheiro também escreveu algumas elegias, em que chorou essa formosa e alva flor de carne, tão cedo ceifada dessa vida descontente, para evocar aqui os imortais versos camonianos.  Quando o poeta faleceu, já existia o Clube dos Novos, a nossa geração de 45. Os poetas e escritores dessa agremiação literária fundaram a revista Caderno de Letras Meridiano e discutiam literatura, mormente na Praça Pedro II, onde costumavam se encontrar. Não sei se esses rapazes tomaram conhecimento do grande e velho poeta, e se este chegou a conhecê-los ou porventura tenha lido algum texto literário desses moços. II.Alguns dados biográficos e cronológicos Dois paralelos quero traçar entre Celso Pinheiro e Antônio Francisco da Costa e Silva, no referente às datas de nascimento e de morte deles. O primeiro nasceu em Barras, em 24 de novembro de 1887 e o segundo, em Amarante, em 23 de novembro de 1885. Por conseguinte, Celso era dois anos e um dia mais moço que o Poeta da Saudade e do Velho Monge. E faleceram no mesmo dia, ou seja, em 29 de junho de 1950; Celso na capital do Piauí e Da Costa e Silva na capital federal, a cidade do Rio de Janeiro. Tiveram elogio póstumo na Academia Brasileira de Letras, em discursos pronunciados respectivamente por Múcio Leão e Olegário Mariano. Era filho do capitão-mor João José Pinheiro, que veio morar em Teresina em 1857, quando esta capital tinha apenas cinco anos de fundada, e de sua mulher Raimunda Lina Pinheiro. O capitão viera da Vila do Rosário – MA para assumir a administração dos Correios. Era irmão dos escritores e contistas João Pinheiro e Breno Pinheiro, ambos pertencentes à Academia Piauiense de Letras. Cedo o poeta Celso Pinheiro se tornou órfão e teve que trabalhar ainda jovem para se manter em Teresina. Como dito, em 1902 já ele morava em Teresina, de onde nunca se ausentou, a não ser por curto período. Ganhando pouco, em determinada época teve três empregos (professor de Literatura da Escola Normal, escriturário da Chefatura de Polícia e revisor do jornal O Piauhy). De um deles, o de professor, foi demitido pelo governador Eurípides de Aguiar, pelo simples fato de ter sido nomeado pelo governador Miguel Rosa, seu adversário. Sofrendo uma crise de insônia, cansaço e doença nervosa, em 1917 viajou para o sul do estado, em busca da saúde psicológica e física. Nessas andanças pela hinterlândia piauiense escreveu alguns poemas sobre essas paragens. Perambulou pelas longínquas cidades do sul piauiense, Santa Filomena e Gilbués. Nesta última passou cerca de dois meses. O certo é que essa viagem, a maior parte feita em lombo de cavalo, concorreu para a recuperação de sua saúde. Um tanto boêmio quando jovem, alto, magro e nervoso, julgou haver contraído a tuberculose, então uma doença quase sempre fatal. Uma pessoa minha amiga, de alta respeitabilidade, me informou que uma neta dele lhe fizera a revelação de que essa tísica foi apenas uma doença imaginária do poeta, que na realidade nunca fora inoculado por bacilos de Koch. A mesma fonte me revelou que ele chamava a sua suposta tuberculose de Dindinha, que era o nome da velha babá de sua infância. E, carinhosamente, apelidava a morte de Dona Branca. O milionário do verso cometeu inúmeros poemas, entre os quais mais de quatro mil sonetos, forma fixa de sua predileção, que ficaram dispersos em jornais e revistas. Alguns foram reunidos no livro Poesias, cuja publicação foi feita em 1939, sob a chancela da APL. Recentemente, através da Coleção Centenário, publicada por ocasião das festividades alusivas ao centenário da Academia Piauiense de Letras, foi dada à estampa a segunda edição desse seu livro. Casou-se com Liduína Mendes Frazão em 1914, que veio a falecer em 1932. Portanto, o poeta foi casado durante 18 anos e permaneceu em viuvez durante outros 18 anos. Outro fato que muito magoou o poeta foi a prisão de Celso Pinheiro Filho, aos 24 anos de idade, quando era 3° sargento do Exército, pelo Tribunal de Segurança Nacional, sob a acusação de ser comunista, em virtude de haver tomado parte do levante da Praia Vermelha (3° R. I.), em novembro de 1935. Em 1946 Celso Filho foi nomeado prefeito de Teresina pelo interventor federal Vitorino Correia. Segundo Herculano Moraes esse filho primogênito do poeta sofreu “uma das mais acirradas campanhas de difamação da época”, o que teria levado Celso Pinheiro, em defesa do filho, “a publicar versos ofensivos e insultuosos contra Eurípides Clementino de Aguiar, que liderava os opositores ao filho do poeta”. Além de Celso Filho o poeta teve as seguintes filhas: Edméa, Maria, Wanda e Diva. III.Comentário crítico Como epígrafe do excelente livro Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz, encontramos um lapidar e paradigmático trecho de um poema incluído na parte do livro Poesias titulada Poema das Noites, de cuja epígrafe transcreverei apenas os quatorze versos iniciais: Na idade, Em que se é todo um hino à Mocidade E a vida sabe a trínulo perfeito Contraí dentre todas as doenças, Aquela cujas chagas são imensas... Ai, doença das Letras no meu peito!... Eram febres de luz de muitos graus, Entrecortadas de lampejos maus...   Às vezes, nos ásperos reveses da Febre, Do Martírio, Satanás dirigia o meu delírio: E eu morto, de pés juntos, Escutava risadas de Voltaire E via, Assomos de magia!    Lendo-se o poema acima referido na íntegra, pode-se constatar que nele estão todos os principais ingredientes e condimentos da poética simbolista. Nele se nota certa vagueza, feita mais de sugestões, que de afirmações peremptórias; certo clima de nívea frialdade, de penumbra nevoenta, de brancura lirial; uma métrica, que lhe dá musicalidade e certa variação rítmica; uma quase profissão de fé, quando ele cita suas admirações literárias; e uma espécie de devoção ao sofrimento e à morte. Aliás, todo o poema é referto de metáforas, palavras e símbolos caros à Escola Simbolista, entre os quais, em rápida enumeração, apenas exemplificativa, citaria: lívida, unge-me, turíbulo, sonhador nevoento, cidade dos pés juntos, Corujões, pântano, Tísicos, Luz, Sinos, Coveiro, demônio do Tédio etc. Atente-se ainda para as personificações tipicamente simbolistas, com muitas palavras iniciadas por maiúsculas. A crítica, em seu entendimento predominante, tem considerado que Celso Pinheiro era um simbolista. Eu diria que ele foi sobretudo um adepto do simbolismo, e que viveu num período em que o Modernismo praticamente não chegara ao Piauí; em que os poetas praticavam um sincretismo, um amálgama do romantismo, do parnasianismo e do simbolismo, com predominância, talvez, da Escola mais velha. Como disse, o nosso bardo foi essencialmente um simbolista, mas pelo apuro de seu estilo e forma, de sua linguagem esmerada, de sua métrica e ritmo melodiosos, considero que ele recebeu um saudável influxo do melhor parnasianismo, despido de exageros e de certos rebuscamentos e preciosismos. Sobre ele disse com muita propriedade o saudoso amigo e notável poeta Hardi Filho: “Não há negar que Da Costa e Silva foi um grande poeta, o mais culto do Piauí. Celso Pinheiro foi o mais autêntico, o de inspiração mais constante, o mais humano (...). À poesia de Celso Pinheiro faltaram as oportunidades de divulgação que teve a de Da Costa e Silva.” Acredito que se ele tivesse nascido no Rio de Janeiro ou em São Paulo, talvez o seu nome formasse uma trindade simbolista, ao lado de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Quando tomei posse da cadeira n° 5 da Academia de Letras do Vale do Longá, da qual o poeta é patrono, em solenidade ocorrida no dia 23.05.97, no IATE CLUBE de Campo Maior, tive a oportunidade de dizer sobre ele e sua poesia:  A exemplo do Parnasianismo   Brasileiro, a Escola Simbolista deveria também ter   a   sua   trindade, em que  a   estrela  de  primeira  grandeza  e  de  fulgor   extraordinário – Celso  Pinheiro – brilharia  ao  lado  de Cruz  e  Sousa  e  Alphonsus  de Guimaraens. O poeta, ironicamente, em sua pobreza de metais, era chamado de milionário do verso, pela   facilidade  com  que  urdia  os  mais  belos  poemas  e  sonetos, nos  quais  eram  vazados  o  seu  delicado  pessimismo  e  o   seu  suave  lirismo, através  de  melodiosas  palavras  e  de  inusitadas  e  por  vezes  extravagantes   imagens  e  metáforas. Simbolista   sim, mas também um cultor da forma, percebendo-se em sua poesia  uns  leves  laivos  de  saudável  parnasianismo. A crítica   o tem, merecidamente, em elevada conta. Bugyja Britto o alinha entre os maiores   poetas do Brasil. Hardi  Filho, que  escreveu  um  livro  sobre  ele, considera-o  entre  os  três  principais  aedos  de sua  predileção. Herculano Moraes, poeta, crítico e membro desta Academia e da Academia  Piauiense  de  Letras, assim  se  referiu  a  esse   excelso   poeta: “A  poesia  de  Celso  Pinheiro  pode  ser  incluída  entre  os  melhores   momentos  do  simbolismo   brasileiro, ao  mesmo  nível  de  Augusto  dos  Anjos  e  Cruz e  Sousa. São poucos   os poetas   que conseguem   ser   tão   sublimes e   torturados   ao   mesmo   tempo.” Sua portentosa   poesia aí   está para ser fruída e degustada e  para   comprovar  o  que   dissemos  a  seu   respeito. Não bastasse ter sido o admirável poeta que foi, também foi um exímio prosador, tendo escrito notáveis crônicas, discursos, artigos e conferências, que se coligidos formariam um excelente livro. Soube que Celso Filho ainda teria organizado essas peças literárias. Todavia, lhes desconheço o paradeiro. Portanto, faço questão de repetir como um corolário de tudo o que disse: o excelso poeta Celso Pinheiro bem poderia compor uma trindade simbolista brasileira, ao lado de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa.   Obras consultadas: Poesias (2ª edição – 2015) – Celso Pinheiro Três Artífices do Verso (1991) – Bugyja Britto Nebulosas (2ª edição – 2013) – Antônio Chaves Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo (3ª edição – 2011) – Teresinha Queiroz Visão Histórica da Literatura Piauiense (6ª edição – 2019) – Herculano Moraes Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado (2003) – Wilson Carvalho Gonçalves (*) Elmar Carvalho é literato e crítico literário, descendente de barrense e membro da Academia Piauiense de Letras.

  • Saiba quem foi José Nelson de Carvalho Pires

    Foto histórica - Jantar oferecido em Parnaíba a Jânio Quadros na sua campanha vitoriosa para a presidência da República, em 1960 . Na foto, vemos também o prof. José Nélson de Carvalho Pires , então Presidente da UDN, ao centro; além de Ribeiro Magalhães e a líder política de Buriti dos Lopes, Zezita Sampaio. Cortesia do escritor parnaibano Diego Mendes Sousa. Saiba quem foi José Nelson de Carvalho Pires em palestra de Diego Mendes Sousa, por ocasião dos 100 anos do ilustre barrense em 2024.

  • Antenor Rêgo Filho e a tradição imorredoura da memória

    Bafute, de Antenor Rêgo Filho (*) Dílson Lages Monteiro Somos seres de linguagem. Significa dizer: somos fabulação. Representamos a vida por meio de narrativas que dão sustentação à nossa identidade e nos integram à convivência humana e à natureza. Com ou sem tecnologia, encontramos meios de materializar pensamentos e emoções em narrativas que, ao ecoarem entre semelhantes, proliferam-se a ponto de projetar-se aos nossos olhos um modo de ver o tempo, os costumes e as nós mesmos. É na literatura que essas marcas de nossa subjetividade como seres de linguagem refletem-se com mais fidedignidade. Saindo da esfera utilitária para a da plurissignificância imaginativa, a palavra potencializa a capacidade de ativar, também, mundos que não conheceríamos de outra forma que não pela representação da escrita literária, em seu modo único de revelar subjetividades. Assim é que tudo que nos cerca passa a ser humanizado e nos comove profundamente, seja pelo lirismo, seja pela crítica social, seja pelo humor. Uma das matrizes de tudo isso está no conto popular e na crônica. As lendas, as crendices, as superstições, os fatos do cotidiano cristalizados de significado coletivo encontraram formas de dizer sobre comunidades e culturas inteiras e foram se modificando a darem forma a gêneros mais complexos dos quais até hoje se alimentam, revigorando a força da tradição.  Antenor Rêgo Filho é autor que, possuidor de projeto literário e memorialístico contínuo e consistente, vem nos presenteando ao longo de sua trajetória com contos populares e crônicas que servem tanto à literatura quanto à história e à memória. Em sua prosa agradável e rica, em um jeito de corporificar a alma, o léxico e a essência de sua terra natal, reverbera toda a tradição de uma gente alegre, festiva e avessa à indignidade.  Nele, espelha-se a histórica Barras do Marataoã, em textos que vão além de sua vocação para o memorialismo, a uma escritura em que o espaço-físico e temporal subvertem-se em nomes e histórias, cheios de humor cativante. Antenor Rêgo Filho, historiador, memorialista e cronista Assim se consagrou entre nós o volume de crônicas e contos Jacurutu, saudado efusivamente por escritores como Herculano Moraes e José Ribamar Garcia. Assim são as novas narrativas que ele dá conhecimento à sua grande legião de leitores-admiradores no volume “Bafute”, que agora publica. Em 29 textos de refinado humor, o leitor encontrará, principalmente, uma gente e uma Barras de antanho, com costumes, hábitos e valores bem diferentes dos que vivem as gerações correntes e, por isso, mais significativo é o sentido social desta obra. O leitor se encantará pelas referências geográficas, ou mesmo por tipos humanos, em que se  representa o caráter universal da literatura mesmo de textos que reproduzem a  cosmovisão da aldeia. A oralidade é estilizada pela fusão entre referências temporais e espaciais, que se unem ao retrato social de tipos humanos bem característicos. Além, claro da explicitação da identidade de Barras do Marataoã, por meio do léxico, que empregado com naturalidade, dá graça e leveza às narrativas. Nelas, figuram o município das décadas de 1930 a 1960. Lugares como o Bairro Boa Vista, a ponta da Rua Grande, o perímetro mais central da urbe, em meio à vivacidade do Marataoã, antigas fazendas se somam ao cotidiano em seus acontecimentos triviais personalísticos, a prostíbulo, à sátira ou à crítica bem-humorada ao comportamento das elites políticas e econômicas, a lugares da vida citadina como a quitanda, o bar, a barbearia, às rodas nas calçadas, às contradições do aparelho policial, à influência dos pequenos comércios na vida da cidade, aos hábitos da aristocracia rural em um tempo de predomínio da força do campo sobre a cidade, às crendices e às supertições, às festividades religiosas e costumes a elas relacionadas. Entre os tipos humanos, encontra-se a humanidade do médico empreendedor sem limites para o altruísmo (em vários textos, há muitas referências a figura ímpar e inesquecível do médico José do Rêgo Lages). Também se lê o  lado cômico do exercício desarrazoado do poder político; a contradição humana de valentões e velhacos; a malandragem dos que arranjam um jeitinho de afastar a qualquer custo a adversidade; a graça de lugares que não deixam chances e oportunidades para tempos infelizes nem para o falso moralismo. Nos contos e crônicas de Antenor Rêgo Filho, tudo é leveza, graça e espontaneidade. Entre os muitos méritos de cada uma dessas narrativas, está o humor que escorre em cada texto e a reinserção no cotidiano da memória, agora em palavra escrita, de dezenas de estimadas figuras da vida social de Barras dos últimos 70 anos, sobretudo. Destacamos, ainda, a naturalidade com que apresenta um leque extenso de palavras bem nossas; ditas de maneira bem nossa. Deixamos para o leitor a tarefa prazerosa de descobrir o que aqui dissemos, porque as narrativas de sucesso deste volume dizem infinitamente mais do que qualquer explicação que venhamos a realizar sobre elas. O humor é subversivo; disso sabemos. O hábito de recontar (ou recortar) é a força viva da memória; disso também sabemos.  Que o humor e os recortes de cada uma dessas histórias ressoem em nosso sentimento como as águas tranquilas e cristalinas do Marataoã e nos contagiem do amor incondicional ao lugar que é nossa origem. Viva “Bafute” e a vocação de Antenor Rêgo Filho para nos trazer de volta a presença imorredoura da memória! (*)Dílson Lages Monteiro, curador do Museu Virtual de Barras do Marataoã, é literato, professor e autor de obras de ficção, de ensaios e memorialismo. É membro da Academia Piauiense de Letras. Assista à análise da obra em vídeo:

  • Rua Grande da Memória

    Capa da coletânea Rua Grande de Barras do Marataoã, organizada por Dílson Lages [Francisco de Assis Carvalho Filho] Quando criança, na década de 1970, eu e meus irmãos passávamos férias em Barras na casa de meus avós, Seu Conrado Amorim de Sousa (Corando) e Dona Olga Fernandes de Amorim. Entre todos os entretenimentos que realizávamos, ir à casa das amigas e parentes de minha avó, as Morais, na Rua Grande, era um dos momentos mais prazerosos. Além da hospitalidade e do carinho dispensados por todas da casa, em especial a Tia Neusa, brincar no quintal era um sonho para toda criança, havia uma diversidade enorme de frutas e árvores. Lembro-me do pé de groselha, de limãozinho, de sapoti e de goiaba. Deliciávamo-nos com essas frutas: subíamos nas árvores para retirá-las. A Rua Grande é rua de memórias imorredouras. A principal artéria onde o fluxo de pessoas, mercadorias e relações socioculturais se desenvolvem e contribuem para a organização espacial da minha cidade. É a rua apoteótica por onde se desfilam todas as manifestações; sejam elas religiosas, com suas procissões; sejam políticas, com suas passeatas, sejam culturais, pois é passagem obrigatória dos “Bois de Pano” e suas matracas, bem como, dos blocos de sujos no Carnaval. Rua Grande e larga, com seus paralelepípedos (pelos menos assim o é na memória dos que a conheceram sem o asfalto) perfeitamente talhados em rochas areníticas e bem aplainados, sem necessidade de outro tipo de pavimentação, pois essa técnica de construção de calçamentos é mais uma característica de nossa Barras do Marathaoan, motivo de orgulho de todo barrense. A organização espacial da nossa cidade de Barras está intrinsecamente voltada para a fazenda de gado do primeiro fazendeiro que aqui se instalou, Miguel Carvalho de Aguiar, nas margens do rio Marathaoan. A Rua Grande passou a ter uma função preponderante como via de escoamento de nossas riquezas oriundas do extrativismo vegetal (a amêndoa do coco babaçu, o pó da carnaúba e o tucum), como também da pecuária (animais para o abate, a pele de caprinos e o leite) e tantos outros derivados dessas atividades que foram os alicerces da nossa economia. Leia toda a crônica do professor e geógrafo Francisco de Assis Carvalho Filho sobre a Rua Grande de Barras do Marataoã, na página 56: https://drive.google.com/file/d/1fVn2BfhzdZfSQqgwIVJcs90rHOmBxTm7/view

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