João Paulo Diniz e seu genro José Pires Ferreira, no espaço colonial
- dilsonlages
- 20 de set.
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[Gilberto de Abreu Sodré Carvalho]
Escrevo com informações de Edgardo Pires Ferreira (2013) e de Reginaldo Miranda (João Paulo Diniz, pioneiro da indústria de charque no Piauí, no portal Entretextos, em 2017).
João Paulo Diniz nasceu em Portugal. Faleceu depois de 1792, provavelmente em Parnaíba. Veio do Reino para o Maranhão no final da década de 1750. Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, por ordem do marquês de Pombal, João Paulo Diniz ocupou a fazenda da Santa Cruz das Pedras Preguiças e respectiva casa-grande, propriedade dos padres em Barreirinhas, no Maranhão. Foi fazendeiro de criação, agricultor, industrial e comerciante. Antes de 1758, ele já se encontrava no que logo seria a vila da Parnaíba, no Piauí, criada oficialmente como vila de São João da Parnaíba em 18 agosto 1762.
Em 1768, foi nomeado, pelo Capitão-General Dom Fernando da Costa de Ataíde Teive, para o cargo de administrador da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, no vale do rio Parnaíba, estabelecendo-se na vila de São João da Parnaíba. Por volta desse mesmo ano, o de 1768, João Paulo Diniz tinha convidado seu parente Domingos Dias da Silva, radicado no Rio Grande do Sul, a entrar nos negócios de charqueadas no Piauí.
Em 1769, é encarregado, pelo mesmo Dom Fernando, de ajudar no abastecimento de carne de Belém do Pará, que consumia entre 28.000 e 30.000 bois por ano. Em tudo está evidente o papel de João Paulo como protagonista da indústria de charque, seja no então Estado do Grão-Pará e Maranhão, seja no Estado do Brasil, ao sul.
Logo, em 1770, abria novos caminhos para trazer seus rebanhos da região de Balsas e Pastos Bons, no sul do Maranhão, onde possuía várias fazendas de gado, até a foz do rio Parnaíba. Organiza açougues e oficinas de carne seca na foz do rio Balsas, para onde vaqueiros tocam imensas boiadas, que ali eram abatidas; o sal vinha rio acima. A carne, depois de retalhada e salgada, era transportada em barcos pelo rio Parnaíba abaixo, até o Porto das Barcas, de onde seguia em sumacas para Belém. Tornou-se, rapidamente, o maior fazendeiro da região em geração de receita, com a verticalização do processo produtivo: desde o boi em pé até o charque, o couro e os solados para sapatos e botas. De rigor, foi o pioneiro da industrialização da carne-seca em todo o Brasil, precedendo nessa atividade o Ceará e o Rio Grande do Sul. Seus produtos eram enviados para Alcântara, São Luís, Belém, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Seu couro e seus solados de couro iam para o Reino. João Paulo Diniz foi ainda pioneiro na produção do algodão no Maranhão. Em 24 de abril de 1776, ele firmou contrato com a Câmara Municipal de Tutóia, no Maranhão, para o arrendamento da ilha do Caju, onde introduziu o gado vacum.
Sabe-se que João Paulo Diniz, com outros, desenvolveu a feitoria do Porto das Barcas, antes Porto Salgado, em Parnaíba, para a comercialização e exportação, especialmente, da carne-seca.
No que importa a atividade militar, que todos os poderosos deviam desenvolver àquele tempo, João Paulo foi capitão-mor de Parnaíba. Em 9 de março de 1777, foi-lhe passada a patente de mestre de campo da cavalaria de ordenanças do Piauí. Na qualidade de militar, foi membro da Junta Trina de Governo da capitania do Piauí, em 1788.
João Paulo Diniz casou-se em São Matias de Alcântara, Maranhão, com Rosa Maria Joaquina Pereira de Castro, nascida em São Matias de Alcântara e falecida em Parnaíba. Rosa Maria seria herdeira de abastado comerciante estabelecido em Alcântara. Em Parnaíba, João Paulo Diniz e esposa construíram a capela-mor da igreja matriz de Nossa Senhora da Graça, na Praça da Graça, depois de terem mandado refazer a nave central, o teto e o forro. Em 1777, a Cúria metropolitana de São Luís autorizou a bênção do templo reformado. No ano seguinte, o casal doou à paróquia uma casa na praça da igreja.
O empreendedorismo de João Paulo Diniz era estranhado pelas autoridades. O Capitão-General Dom Fernando da Costa de Ataíde Teive, acima referido, escreveu ao seu subalterno o governador do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, em 1770:
Um dos homens de negócio da Parnaíba, chamado João Paulo Diniz, veio aqui trazer duas sumacas de carne-seca para a Fazenda Real, tendo-se-lhe encarregado este transporte o ano próximo passado. E havendo na referida Vila alguma implicância como ele me informa, sucedeu duvidarem-lhe um piloto, que necessitava, para dar rumo a uma das embarcações, o qual, com efeito, recebeu a bordo dela, não obstante os embaraços que achou. Agora, porém, receia que na mesma Vila lhe façam alguma alcavala, de que saia prejudicado. E para evitar qualquer acontecimento contrário ao giro de seu negócio, passará V. Sa., as ordens que forem conducentes a este fim, visto andar o dito homem em serviço de S. Maj., e de tanta ponderação, que dele se deveu muita parte desta navegação até o presente ignorada (CABA Cap. Livro 2. 2.ª Parte. p. 51-51v).
João Paulo Diniz foi o pioneiro da indústria de charque no Piauí, e também em toda a América Portuguesa. Antecedeu a Domingos Dias da Silva, que, logo mais tarde, iria ser conhecido na indústria e comércio parnaibano, sendo mais festejado que João Paulo, em vista da abundância material a que atingiu. Faleceu em ano ainda ignorado, provavelmente em sua casa, na antiga vila de São João da Parnaíba.
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Conforme Pires Ferreira (1987) escreve, José Pires Ferreira nasceu em 1757, no Recife, e morreu no povoado de Barra do Longá, no Piauí. Foi comerciante em Pernambuco e ia duas ou três vezes ao ano ao Piauí, em pequenos navios carregados de mercadorias (tecidos, sapatos, perfumes, porcelanas, especiarias etc.). Vendia ao longo da costa nordestina até chegar à cidade de Parnaíba, grande centro do comércio da carne seca. É importante esse dado, uma vez que a carne seca poderia ser trocada pelas mercadorias de José Pires Ferreira, que a transportaria em sua sumaca para o Recife, no retorno. Ainda a acrescer, como comentário meu, que José Pires Ferreira era um mercador a grosso, ou seja, não era comerciante de porta de rua ou de varejo, como hoje se diria.
Casou-se em 1786, em Buriti dos Lopes, Piauí, com Mariana de Deus Castro Diniz, nascida na fazenda de Santa Cruz das Pedras Preguiças (Barreirinhas, Maranhão), falecida na fazenda de Santo Agostinho, no atual município de Magalhães de Almeida, Maranhão. Mariana de Deus Castro Diniz era filha de João Paulo Diniz e Rosa Maria Joaquina Pereira de Castro. Como informa Pires Ferreira (1987), Mariana de Deus estava viva em 21 de novembro de 1832, quando do batismo de Liberato, filho de escravos de seu filho João de Deus Pires Ferreira, conforme assentamento da igreja matriz de Parnaíba.
O casal José e Mariana de Deus foi residir primeiramente na propriedade de Santa Cruz das Pedras Preguiças. Essa herdade tinha sido do pai de Mariana de Deus, o muito rico João Paulo Diniz. Com o tempo, José Pires Ferreira e Mariana de Deus Castro Diniz foram ter domicílio na cidade de Parnaíba, mas também residência na Barra do Longá, em Buriti dos Lopes, na confluência dos rios Longá e Parnaíba, de onde José controlava o seu comércio. Penso que, durante sua vida, cada vez mais sua ocupação se tenha fixado no gado, na carne-seca e no couro. A sua ligação com o Recife, mediante a ida e vinda de sumacas com mercadorias, deve ter esmaecido e cessado.
O rio Preguiças, logo acima mencionado, foi assim chamado por ser lenta a sua correnteza. Desde sua foz até a Santa Cruz das Pedras Preguiças, permitia a navegação de embarcações médias. Indo para cima da fazenda, quando o volume de água se reduzia, os barcos tinham de ser de pequeno calado. A terras da região eram fertilíssimas e o clima agradável pela proximidade do mar. Havia chapadas para a criação de gado vacum que, penso, poderia ser vendido para carne-seca ou transformado nesse produto por ordem do próprio José Pires, para ser levada à cidade de Parnaíba. A fazenda de Santa Cruz das Pedras Preguiças era parte das antigas terras da Companhia de Jesus, sendo os escravos negros abundantes e decisivos para a geração de muita produção.
No ano de 1795, José Pires Ferreira se encontra em Barra do Longá, ocasião em que estava na posse de terras herdadas por sua esposa, Mariana de Deus, e outras terras devolutas em torno da lagoa do Bacuri e também ao longo do rio Parnaíba, do lado maranhense. Também nesse referido ano, tinha o domínio das terras herdadas por seu pai, o notável mercador Domingos Pires Ferreira. A par dessas terras referidas, José Pires Ferreira foi obtendo a posse de grandes áreas na margem piauiense do rio Parnaíba.
É preciso tratar de Domingos Pires Ferreira para melhor entender o filho José Pires Ferreira, e o que significa o aporte Pires Ferreira. Domingos Pires Ferreira nasceu no lugar Bustelo, freguesia de Santa Madalena da Vila da Ponte, Chaves, Portugal, em 1718. Chegou ao Recife, em 1725, aos sete anos de idade, para estar sob a guarda do tio materno Manuel Alves Ferreira, comerciante, ou como diziam então, mascate. Casou-se, no Recife, em 05 de fevereiro de 1748, com Joana Maria de Deus Correa Pinto, nascida no Recife, filha do comerciante e familiar do Santo Ofício Antônio Correa Pinto e de Leandra da Costa Lima. Domingos Pires Ferreira faleceu em 1792, no Recife, Pernambuco (Pires Ferreira, 1987).
Os filhos homens de Domingos Pires Ferreira, como Antônio, Domingos, Manuel, João de Deus, Joaquim e Gervásio, foram estudar em Coimbra. José Pires Ferreira não seguiu para Coimbra para estudar, mas, com certeza, teve boa educação no Recife. Ficou no Nordeste, especialmente no Piauí. Domingos adquiriu fazendas de gado na região norte do Piauí, no território do então município de Parnaíba. Observe-se que a razão para o interesse em carne bovina e, consequentemente, na carne-seca estava no enorme movimento humano no centro do Brasil, com a atividade mineira do ouro. O valor relativo da carne cresceu enormemente durante o século 18, ao ponto de fazer fortunas. O ouro dos mineradores pagava muito bem.
José Pires Ferreira teve um primo muito importante, na mesma faina da ocupação econômica do Nordeste, sendo muito provável, se não certo, que os dois tenham se encontrado nos negócios de gado, sal e carne seca. Esse primo de José foi Domingos Affonso Ferreira, o qual inaugurou o apelido duplo “Affonso Ferreira”.
Domingos Affonso Ferreira nasceu a 14 de fevereiro de 1737, no lugar Bustelo, freguesia de Santa Maria Madalena da Vila da Ponte, Portugal. Faleceu a 05 de fevereiro de 1804, no Recife, sendo sepultado na capela da Ordem Terceira de São Francisco, onde era irmão e ministro. Domingos Affonso Ferreira era filho de Simão Affonso e de Isabel Pires (nascida no lugar Bustelo), irmã de Domingos Pires Ferreira. Domingos Pires Ferreira e Isabel Pires eram filhos de Domingos Pires (do Penedo), batizado em 6 de abril de 1681, em Bustelo, e de Domingas Gonçalves Ferreira, nascida na freguesia de São Tomé da Parada do Outeiro, Chaves. Eles se casaram em 6 de outubro de 1700. Os irmãos Domingos e Isabel eram netos paternos de Antônio Pires e de Isabel Ferreira, do lugar Bustelo. Netos maternos de Pedro Gonçalves e de Maria Álvares, moradores de Parada do Outeiro, casados em 4 de maio de 1670.
Domingos Affonso Ferreira, filho de Simão Affonso e Isabel Pires (irmã de Domingos Pires Ferreira), chegou ao Recife, Pernambuco, para morar na casa do tio Domingos Pires Ferreira, na loja de fazendas de que esse último era proprietário. Com a ajuda do tio, Domingos Affonso Ferreira prosperou e teve sua própria loja. Chegou a ser um dos homens mais ricos de Pernambuco em sua época.
Como pode ser pesquisado em www.parentesco.com.br, fundado por Edgardo Pires Ferreira, Domingos Affonso Ferreira e o seu genro Bento José da Costa foram sócios em grandes empreendimentos rurais, principalmente na pecuária no Rio Grande do Norte. Domingos Affonso Ferreira recebeu duas cartas de data e sesmaria sobre partes do sítio chamado Madeira e do Amargoso nas Salinas, e a outra de sobras de terra do sítio da Entrada e das terras de Nossa Senhora do Carmo, na barra do Rio Mossoró. Domingos Affonso Ferreira e seu genro Bento José da Costa adquiriram as terras de dona Francisca Rosa da Fonseca, com as fazendas de gado que possuía no sertão e na barra do Rio Assú, que incluía Cacimbas do Viana (hoje, Porto do Mangue) e a atual Macau, além de várias pequenas ilhas, como a desaparecida ilha de Manuel Gonçalves.
Sobre a importância dos Pires Ferreira, no qual se inclui o ramo “Affonso Ferreira”, observa-se que a junta governativa de Pernambuco, por ocasião da Revolução Pernambucana de 1817, comportava vários parentes de Domingos Affonso Ferreira: Filipe Nery Ferreira, seu filho; Gervásio Pires Ferreira, seu primo e irmão de José Pires Ferreira; Bento José da Costa, seu genro; e o padre Laurentino Antônio Moreira de Carvalho, que era Secretário da Junta, possivelmente seu cunhado, pois o sogro de Domingos foi o capitão Laurentino Antônio Moreira de Carvalho, mesmo nome do padre.
Sobre os empreendimentos rurais de Domingos Affonso Ferreira e Bento José da Costa, no Rio Grande do Norte, e sobre as escrituras, inventários e testamentos destes, deve-se consultar Ilha de Manoel Gonçalves, vida e morte, de João Felipe da Trindade, de 2016. Além disso, o testamento de Domingos Affonso Ferreira encontra-se no Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano no Recife.
Assista à palestra no canal Tributo à Cidade Natal no You Tube.
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