BAR DO FILHO CRENTE, O TCHEKA: A história de um bar como espaço de sociabilidade e entretenimento no Piauí
- dilsonlages
- 13 de abr.
- 8 min de leitura
(*) Francisco de Assis Alves de Oliveira
O presente artigo toma o bar do Filho Crente, o Tcheka e suas particularidades curiosas como objeto de estudo. Esse recinto é um dos espaço de sociabilidade na cidade de Barras-PI. Ao eleger esse espaço como objeto de análise, objetivamos estudar a capacidade de se relacionar e interagir do cidadão barrense no contexto de um bar.

Frequentadores do Bar do Filho Crente numa manhã acalorada de conversas.
Os bares da cidade se constituem em lugares de sociabilidade. O Bar é transformado literalmente em uma roda de conversas, espaço de lazer e demonstrações comportamentais de práticas da vida em comum. O aspecto de maior relevância observado no bar é as práticas da vivência em comum, quer dizer, momentos são vividos em comunhão de amigos.
Também, são observáveis gestos nobres de habilidades sociais de quem frequenta o bar. Pessoas que nunca tinham se visto antes e logo passam a conversar como se já fossem amigos de longas datas; compartilhando entre si comidas que na maioria das vezes já são trazidas prontas de casa e servidas como tira-gosto. Nesse particular, o José Antônio, (o Vela) é tido como o rei do tira-gosto, ou seja; o que mais leva comida. Entre outros aperitivos, que também são abundantes. O tira-gosto, após entregue no balcão para o proprietário do bar, deixa de ser unicamente de quem levou e passa a ser compartilhado entre todos os presentes.
Tcheka é uma das expressões utilizada para apelidar o dono do Bar. Essa expressão refere-se a um estrangeirismo aportuguesado que significa uma pessoa legal, pessoa cheque. Para além disso, observa-se que a forma que a palavra é escrita, Tcheka com a letra “K” remetente para o nome da primeira organização de polícia secreta da União Soviética, a Tcheka.
O bar se trata de um estabelecimento comercial de tamanho reduzido, localizado na Rua Duque de Caxias, por trás do Banco do Brasil, quase esquina com a Rua Leônidas Melo, no centro de Barras-PI.

Clientes em pé no balcão dentro do bar
Foto: Arquivo pessoal do autor, 2023
O espaço funciona desde 1994. É um local sem identificação, de pouca estética. Porém, conseguiu fidelizar uma grande clientela, que visita com bastante frequência. Uma pequena mesa de madeira no centro do bar rodeada de amigos é cenário constante, mudando apenas os personagens.
Ir para o bar do Tcheka não é visto apenas como um simples lazer. É também oportunidade para contemplar artefatos de importância histórica, que são preservados no local.
É um ambiente bastante modesto que vende secos e molhados, juntos e misturados. Uma mistura de Bar com quitanda, museu, troca-troca e exposição iconográfica. Um lugar que se vende de tudo um pouco. Antes de se tornar um dos bares de maior movimento, no centro da cidade, deu seus primeiros passos 28 anos atrás em um cômodo de sua própria residência, na Rua General Taumaturgo de Azevedo. No pequeno bar, o empreendedor recebia somente pessoas próximas.

Em pé, o proprietário do bar com alguns dos frequentadores mais assíduos.
Foto: Arquivo pessoal do autor, 2023
A cerveja é servida ao clientes em um pequeno espaço, em que se bebe quase sempre de pé no balcão ou sentado em cadeiras tamborete. O balcão era uma peça usada no Banco do Brasil para atender os clientes. Descartada pelo banco, foi aproveitada como uma espécie de mesa, que se destina geralmente a servir bebidas. Muitos frequentadores são assíduos, cadeira cativa. Vez ou outra, é o próprio cliente que se serve, abre o freezer e pega a sua cerveja predileta. Ali, ressalte-se, cerveja, de todas as marcas.
Depois do fechamento do Bar A Cubana, bar tradicional estabelecimento na rua Leônidas Melo por longos anos, o bar do Tcheka passou a ser um dos mais antigos em funcionamento, no centro da cidade. Em um espaço mais recuado, após o balcão, funciona uma cozinha improvisada. É neste local onde o proprietário do bar prepara o tira-gosto, geralmente levado pelos próprios clientes. Na área externa, um pequeno quintal no fundo do bar vem em socorro ao apertado espaço interno, onde o proprietário coloca algumas mesas debaixo do limoeiro. No meio do terreno, existe um frondoso pé de limão-azedo, que frutifica com abundância; atendendo as necessidades do bar e dos apreciadores de uma boa cachaça com limão.

Uma mesa rodeada de amigos no bar do Tcheca ainda é a melhor rede social
Foto: Arquivo pessoal do autor, 2023
Os envolvidos no mundo etílico que marcam presença no bar, dependendo do seu grau de embriagamento, deixam escapar algumas verdades e informações de primeira mão sobre temas diversos da sociedade barrense. Além do bate-papo animado que se estabelece, todo mundo fica sabendo das notícias e novidades que circulam na cidade. Assim se manifesta um cadeira cativa: “Venho para o bar do Filho para me atualizar das notícias da cidade”, ou seja; informações que circulam na boca do povo e nas ruas da cidade, cuja fonte é desconhecida. Porém, a sua veracidade pode ser autenticada.
As regras de conduta do Bar são rígidas, quais sejam; quando um cliente está com o humor alterado e as emoções à flor da pele, o proprietário entra em ação para impor ordem na casa, o que faz com certo grau de rispidez. Isso termina por afastar temporariamente o freguês. Porém, tão logo reconhece o seu erro o cliente pede para voltar. E todos são bem-vindos e acolhidos ao retornar.

Exposição de objetos históricos nas prateleiras do bar
Foto: Arquivo pessoal do autor, 2022
Também, não podemos deixar de mencionar o apito como parte constituinte das regras do Bar. Diante de um debate acalorado, não é necessário o proprietário do estabelecimento pronunciar nenhuma palavra. Basta acionar o apita para avisar que alguém extrapolou as regras. O som do apito serve para advertir que está na hora de concluir a discussão e harmonizar o ambiente. O apito entra em cena para defender a pacificação e tolerante convivência entre as mais diversas opiniões. Destaca-se outra característica inerente ao bar do Filho que regula o funcionamento: o momento de fechar. Quase que de forma repentina, o proprietário do Bar simula o fechamento da porta e diz: “Rumbora pra casa!”. O Bar é fechado independente de quem esteja dentro, sem tolerância para tomar a saideira.
Antes, porém, é dado o tempo necessário para os clientes terminarem o restante da cerveja que se encontra na garrafa; em seguida, o portão se fechar por completo. O bar é um ambiente familiar e de amigos. Assim afirma um frequentador: “O que me atrai aqui é os amigos, as histórias, as conversas que rolam aqui, não tem confusão”. Outro freguês afirma: “O que me atrai é a amizade que eu tenho com o filho e alguns amigos que frequentam aqui”. Também, o Bar do Filho trata de pautas quentes que vão de futebol à política. É palco de debates políticos acirrados, contudo respeitosos. Cada um defendendo o seu lado. Uns meio de esquerda e outros meio de direita.

Exposição iconográfica e objetos antigos na parede do bar
Foto: Arquivo pessoal do autor, 2023
Do ponto de vista político trata-se de um espaço plural e de perfil democrático, frequentado por um público mais adulto; constituído em sua maioria por quem possui diploma de curso superior; cidadãos com elevado grau de letramento. São eles professores, advogados, empresários, profissionais liberais autônomos e servidores públicos em geral; dos quais se destacam o professor Assis Mesquita e professor Vagner. O último, foi suspenso provisoriamente por falta disciplinar. Para a lista não ficar muito extensa, cito apenas alguns cadeira cativa.
O dia mais indicado para comprovar os fatos narrados é a sexta-feira. Em umas dessas tradicionais e movimentadas sextas-feiras, estava presente o senhor Estevão Teixeira Marques, um animado frequentador que tem mais de 80 anos; um senhor de temperamento divertido, bem–humorado, simpático, que demostra facilidade para de se socializar e fazer amizades. “Aqui não tem preto e nem branco, não tem rico e nem pobre, aqui tem amigos”. (Estevão Marques. 31 de março de 2023.). Ele pedia música na Alexa e passava a cantar como se fosse um karaokê.
No momento de pedir a música, é um grande alvoroço. Duas ou três pessoas solicitam música ao mesmo tempo. No embaraçar das vozes, a Alexa não consegue entender o que foi solicitado. Não toca a música. Fica todo mundo chamando a alexa de burra.
Misturados aos litros de bebidas, encontramos nas prateleiras, artefatos antigos e fotografias que transformam o bar do Filho/Tcheka em uma espécie de museu e memorial; preserva o passado por meio de objetos antigos. O acervo conta com variados modelos de rádio: Moto rádio de madeira, rádio Semp Toshiba (apelidado de rádio Jabuti). Também, faz parte do conjunto de objetos antigos um lampião a gás. Em 2025, o secretário da educação do município, prof. Ramon Vieira, adquiriu parte desse acervo para seu museu particular. Além do disso, existe à exposição diferentes modelos de celulares antigos.

Entre os frequentadores, o ilustre professor de gerações de barrenses e comunicador Assis Mesquita.
Na parede, do lado direito de quem entra no bar, existe uma exposição iconográfica, um painel fotográfico que, segundo o proprietário, fora montado sua montagem de forma natural e espontânea. Cada um dos frequentadores encarrega-se de afixar no painel a fotografia de sua preferência. A maioria das imagens advém dos próprios frequentadores que fazem questão de deixar registrado sua passagem pelo local. É possível ver imagens de alguns personagens históricos de Barras e do estado do Piauí. A exposição de objetos antigos e as fotografias na parede é uma atração à parte.
É oportuno registrar que, entre um gole e outro de cerveja, existe a possibilidade de fazer uma troca de celular, relógio moto, televisão etc. Além de tudo isso, é ocasião oportuna para comprar vassoura de palha de carnaúba, lamparina, rede, chapéu, aparelho de barbear, tapete de chão, pneu de carro usado, conserva de pimenta-malagueta curtida na cachaça, entre outras miudezas.
O bar do Filho crente, o Tchecka, tornou-se um indispensável ponto de encontro para os amigos do malte e de uma boa cachaça. Copo cheio, comida na mesa e amigos sentados ao redor, é cenário de rotina no bar.
O público predominante dos frequentadores é de Homens, “só macho”, como diz um freguês do estabelecimento. Raramente se vê uma mulher. Para o bom cliente, existe até a possibilidade de deixar a conta anotada no caderno, ou seja, para se pagar depois. No entanto, para se cogitar essa possibilidade, é necessário que o bom freguês esteja com o score de crédito alto perante ao estabelecimento.

O autor deste artigo, também frequentador, à direita
É possível afirmar que o bar em estudo se constitui em um espaço de sociabilidade e de contato diário de pessoas que se divertem e fazem negócios em Barras-PI. Afinal, lugares de sociabilidade são espaços em que as pessoas se reúnem, para conversar, se divertir, conjecturar sobre assuntos variados e galhofar com os amigos. Bares, ruas, parques e praças são exemplos desses espaços. O bar do Tcheka se constitui em ambiente sociável, onde todos se alegram, bebem, degustam um bom tira-gosto e ouvem músicas, até recentemente executadas pela assistente virtual, Alexa.
Vale ressaltar que a alexa foi recentemente vendida. O dono bar diz que está arrependido por ter vendido a assistente virtual e promete para breve o retorno da mediadora das músicas. Essa narrativa continua diariamente no entra e sai do bar, no que se conta e ouve ali, no riso do reencontro de amigos, na bebida sem excessos e na dinâmica da vida social. Com ou sem a Alexa, o bar do Tchecka é um espaço de tradição em Barras-PI.
(*) Francisco de Assis Alves de Oliveira é pesquisador, graduado em História, com especialização em História do Brasil e Docência no Ensino Superior.
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