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José Fernandes do Rêgo e a pergunta de abril

  • dilsonlages
  • 18 de mai.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 23 de mai.

[Dílson Lages Monteiro - curador do Museu Virtual de Barras do Marataoã]


Em abril, postamos aqui a imagem de um barrense de bonita trajetória, cujo empenho e talento às causas que abraçou o dignificaram como ser de expressão. Então, pedíamos que ele fosse identificado a partir de sua foto, com algumas breves pistas de sua história profissional. As respostas que nos chegaram por e-mail não foram capazes de nominá-lo. Vamos a resposta final: ele nasceu em Barras, em 1923, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1980. Filho de Antenor de Castro Rêgo e Zila Fernandes do Rêgo, registra o historiador e antologista Wílson Carvalho Gonçalves:


José Fernandes do Rêgo (1923-1980). Foto O Dia

"Formado pela Faculdade Nacional de Veterinária, Zoologista. Naturalista. Professor de Cultura Técnica da Universidade Federal do Brasil" (2006:161).

Mas foi o jornalismo que o celebrizou, escrevendo tanto em jornais do Rio de Janeiro, quanto na imprensa piauiense. Diz ainda Wilson Gonçalves, em Chão de Estrelas da história de Barras:

"Jornalista combativo, vigoroso e articulista político de muita sensibilidade. Mantinha uma atuação de combate ao movimento revolucionário de 1964, que lhe valeu a prisão e torturas. Teve passagem marcante na imprensa nacional, cujos trabalhos eram escritos numa linguagem crítica e mordaz. No Piauí, militou nos jornais O Dia, Diário do Povo e no A Luta. Atuou como articulista do Diário de Notícias e Correio da Manhã, ambos órgãos da imprensa carioca.
Na administração pública exerceu importantes cargos: assessor do Ministro da Agricultura (1962-1964) e superintendente do Zoológico do Rio de Janeiro" (ibidem).

Um passeio pelo jornais das décadas de 1950 e 1960, sobretudo, despertará atenção para seu nome e a colaboração regular e substancial de José Fernandes do Rêgo.. Um estudo detalhado da escritura dele revela grande interesse pelas questões sociais de seu tempo, com foco nos causas coletivas e demandas do Piauí, do Brasil e do Mundo.


Em nota, o Jornal do Piauí, em 23.08.1953, informa e parabeniza sobre importante artigo do jornalista sobre O Babaçu no Boletim de Expansão Comercial do Brasil em Nova York:


Jornal do Piauí, em 23.08.1953


Trabalho sobre o Babaçu
O Boletim do Escritório de Expansão Comercial do Brasil, em New York, número de junho, transcreveu, em inglês, oportuno artigo sôbre a importância econômica do babaçu, escrito pelo jornalista piauiense José Fernandes do Rêgo. Ao jovem conterrâneo, que já se tem projetado com inteligência, na imprensa carioca, enviamos cumprimentos pelo merecido destaque.

Jornal do Piauí, em 23.08.1953


Este Museu Virtual catalogou um número significativo de publicações de José Fernandes, tanto publicadas no Rio de Janeiro como no Piauí. Para que o leitor tenha uma visão do que ele escreveu e como escrevia, selecionamos artigo que, passados 80 anos, continua atual. Nele, José Fernandes desperta reflexões para a importância de descentralizar os investimentos em áreas menos desenvolvidas, então, como o Piauí, aludindo ao lugar na história do Estado de dois paulistas: Domingos Jorge Velho, para alguns desbravador das conquistas portuguesas, para outros um facínora que trucidou tribos indígenas pela ganância do vil metal; e o naturalista Francisco Igresias, que registrou a fauna e flora da gente piauiense, legando obra de valor para a sociologia e para a história. Ei-lo em versão original e em transcrita.


O Dia, 20.11.1953


DOIS PIONEIROS PAULISTAS
J. Fernandes do Rêgo
QUANDO, em meados do século XVII, as contingências econômicas e as necessidades de defesa militar impuseram o descobrimento do caminho por terra para o Maranhão, coube ao paulista Domingos Jorge Velho revelar ao Brasil as novas terras que constituem, hoje, o Estado do Piauí.
Passados três séculos, outro paulista, Francisco de Assis Iglésias, tão distinto daquele famoso bandeirante, na indumentária e nos instrumentos que maneja, pois se apresentou no cenário piauiense com uma seringa hipodérmica, com seu bisturi de tanderemista, uma caixa de quinino e com seu lápis e caderno anotando e fazendo a sistemática das plantas e dos animais, chama de novo, a atenção do Brasil para o distante Piauí, publicando, na "Brasiliana", um interessante trabalho intitulado "Caatingas e Chapadas", onde a flora, a fauna e os problemas piauienses são analisados com critério e sabedoria.
Os dois ilustres paulistas que, em épocas tão distintas aparecem no "hinterland" piauiense tinham objetivos muito diversos: Jorge Velho era o bandeirante avassalador, já celebrado em Palmares, — subjugador de homens com o seu laço e o seu trabuco, conquistador de sesmarias, cheio de audácia e de bravura na busca da fortuna; o doutor Francisco Iglésias, um jovem homem de ciência que visitou o nosso Estado com o objetivo de pesquisar — lhe a flora e a fauna, de conhecer as reservas minerais e as possibilidades econômicas e sociais, de interessar as autoridades e o meio aligado, apresentando sugestões úteis, de recomendar experiências fecundas, enfim, de contribuir com sua força de idealista e de técnico para o bem estar e progresso do nosso povo.
Entre ambos, se bem que distintos na forma de pensar e de agir, há, entretanto, um elo de ligação: a sua condição de pioneiros; o primeiro, como desbravador de um caminho novo, o segundo como um guia certo de novas trilhas; o primeiro, como homem que veio abrir, pelo fogo e pelo sangue, a picada das entradas e bandeiras, o segundo como missionário que veio despertar o sertanejo para a esperança de uma vida melhor e para a luta construtiva que conduz à prosperidade e ao bem estar.
Ambos vieram, portanto, do Sul do País. Ambos são filhos de São Paulo. Ambos acorreram a este Nordeste abandonado, em busca do seu melhoramento e fortuna; o cientista, procurando realizar obra duradoura de estudo e de pesquisa, e de abertura de novos rumos para a técnica e a civilização brasileiras nas áridas, porém férteis e ricas, terras nordestinas.
A sociedade piauiense, por iniciativa do "Clube Teatral 4 de Setembro" e do "Diário do Piauí" e sob a direção entusiasta de Erivaldo Borges, soube reconhecer o valor do gesto do técnico paulista, promovendo uma semana de palestras, de debates, de exames e de meditação em torno da mensagem contida no seu livro e das sugestões dele emanadas. Desse gesto, resultará, por certo, uma fecunda sementeira de melhoramento e de progresso. E, ainda uma vez, São Paulo veio ao Piauí, não pela espada de um guerreiro, mas pelo cérebro de um técnico; não pelo fogo e pelo sangue, mas pela inteligência e pela razão.
Não quero terminar estas ligeiras divagações que me cabe fazer sôbre o trabalho do doutor Iglésias e sôbre a obra do bandeirante Domingos Jorge Velho sem dizer que ambos nos são caros. Um, pela descoberta e desbravamento desta região, violenta, difícil, porém cheia de possibilidades econômicas e sociais; o outro, pela propaganda de suas riquezas, pela exaltação das suas belezas naturais, pela análise de seus problemas e pela sugestão de soluções técnicas, que nos sirvam de roteiro no caminho da evolução e do progresso. Ambos, aliás, são dignos do nosso respeito e da nossa gratidão.
Ambos, com suas atitudes distintas, significam, para o Piauí, o mesmo Damasco lendário do Apóstolo. Um e outro vieram revelar-nos, de maneira diversa, o caminho de Damasco.

O Dia, 20.11.1953


José Fernandes do Rêgo, um barrense de todos os tempos, neste Museu Virtual de Barras do Marataoã.

 
 
 

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